Muito sobre a Lua permanece envolto em mistério, incluindo a sua idade. Segundo um novo estudo, um evento de refusão “reiniciou” a idade das rochas lunares, ocultando a verdadeira idade do nosso satélite.
Análises de amostras trazidas da superfície lunar indicam que a nossa companheira celeste pode ter cerca de 4,35 mil milhões de anos, o que significa que surgiu cerca de 200 milhões de anos após a formação do nosso Sistema Solar.
Mas este imenso desfasamento não agrada a alguns cientistas. Durante os primeiros tempos do Sistema Solar, os detritos e os corpos planetários colidiram e coalesceram para formar planetas.
Por volta dos 200 milhões de anos, a maior parte destes detritos caóticos tinha sido arrastada para corpos maiores. Assim, muitos cientistas que simulam a evolução do Sistema Solar consideram improvável a ideia de uma colisão massiva que tenha formado a Lua tão tarde.
Num artigo publicado dia 18 de dezembro na Nature, o professor Francis Nimmo, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e os seus coautores propõem uma possível explicação para esta discrepância: a Lua teria sofrido uma nova fusão há 4,35 mil milhões de anos, devido à atração das marés da Terra, que provocou uma convulsão geológica generalizada e um aquecimento intenso.
Segundo os autores, esta segunda fusão teria “reiniciado” a idade das rochas lunares – ocultando a verdadeira idade da Lua com o que poderia ser comparado a uma cirurgia plástico-vulcânica.
“Prevemos que não deve haver rochas lunares com mais de 4,35 mil milhões de anos, porque devem ter sofrido o mesmo processo de ‘reset'”, disse Nimmo, professor de Ciências da Terra e Planetárias. “Como este aquecimento foi global, não se devem encontrar rochas na Lua que sejam significativamente mais antigas do que isso”.
A Lua como microcosmo do cosmos
A Lua fascina a humanidade há milénios e, nos últimos séculos, as pessoas começaram a perguntar-se como – e quando – a Lua se formou. Uma das razões para enviar astronautas à Lua foi para responder a esta pergunta.
A Lua também serve como um degrau luminoso para compreender objetos mais distantes. Mas, se não conseguimos determinar a idade da Lua, como podemos ter a certeza da idade exata de qualquer coisa para lá dela?
Pensa-se que a Lua nasceu de uma colisão entre a Terra primitiva e um protoplaneta da dimensão de Marte – o último impacto gigante na história do nosso planeta.
A data deste evento foi estimada através da datação de amostras lunares que se presume terem sido cristalizadas a partir do oceano de magma lunar que existiu após o impacto, situando a idade da Lua em cerca de 4,35 mil milhões de anos.
No entanto, esta idade não explica várias discrepâncias com modelos térmicos e outras evidências, como as idades de alguns minerais de zircão na superfície lunar, que sugerem que a Lua poderia ter até 4,51 mil milhões de anos.
Nimmo e os seus colegas colocam a hipótese de que um evento de refusão, impulsionado pela evolução orbital da Lua, poderia explicar a ocorrência frequente de rochas com cerca de 4,35 mil milhões de anos – como as recolhidas pelas missões Apollo dos EUA e outras – e não a primeira solidificação do oceano lunar de magma.
Para o seu artigo científico, os autores utilizaram modelos para mostrar que a Lua pode ter sofrido aquecimento de maré suficiente para causar esta segunda fusão há cerca de 4,35 mil milhões de anos, o que poderia “reiniciar” a idade aparente de formação destas amostras lunares.
Uma máscara enganadora de magma
O aquecimento de maré é um processo no qual as forças gravitacionais entre dois corpos celestes causam fricção interna que leva a um aquecimento intenso. No caso da Lua, este efeito foi provavelmente mais pronunciado no início da sua história, quando estava mais próxima da Terra.
De acordo com os modelos mais recentes, durante certos períodos dos seus primeiros anos, a órbita da Lua teria sido instável, fazendo com que sofresse forças de maré intensas da Terra que poderiam ter levado a eventos de aquecimento significativos, alterando drasticamente a geologia da Lua.
A equipa de investigação estabelece paralelos entre este hipotético evento de aquecimento na Lua e a atual atividade vulcânica observada na lua de Júpiter, Io, que é conhecida como o corpo mais vulcanicamente ativo do Sistema Solar.
A atividade vulcânica em Io é impulsionada por forças de maré semelhantes às que podem ter marcado o início da história da Lua, com atividade vulcânica generalizada e a superfície a ser constantemente remodelada por erupções.
Os investigadores também afirmam que a refusão da Lua explicaria o facto de existirem menos bacias lunares de impacto dos primeiros bombardeamentos do que seria de esperar, uma vez que teriam sido apagadas durante um evento de aquecimento.
Os autores afirmam que esta explicação sugeriria que a formação da Lua ocorreu há 4,43 -4,53 mil milhões de anos atrás, no limite superior das estimativas anteriores de idade.
Nimmo disse que a próxima fase da investigação vai envolver simulações mais complexas para refinar a compreensão de como o aquecimento de maré pode ter feito “reset” ao relógio geológico da Lua. Isto, juntamente com amostras lunares adicionais de futuras missões, deverá lançar mais luz sobre a verdadeira idade da Lua.
É por isso que a recente entrega de amostras lunares pela missão Chang’e 6 da China é motivo de grande entusiasmo. Estas amostras, recolhidas no lado oculto da Lua, fornecerão dados valiosos para compreender os processos que moldaram a sua história.
Os investigadores estão particularmente ansiosos por ver se estas novas amostras apoiam a ideia de um evento de “reset” global causado pelo aquecimento de maré.
A equipa de Nimmo também imagina modelos mais detalhados para explorar melhor os efeitos do aquecimento de maré na geologia da Lua. Embora os modelos iniciais sejam prometedores, serão necessárias simulações mais complexas e realistas para compreender plenamente o alcance destes fenómenos de aquecimento.
Uma nova era de investigação lunar
Este artigo científico não só oferece uma nova perspetiva sobre o passado da Lua, como também abre a porta a investigações mais subtis sobre a sua formação e evolução.
A interação entre a geoquímica e as simulações está a ajudar os cientistas a preencher as lacunas da história lunar, com o aquecimento de maré a emergir como um mecanismo crucial para compreender as características geológicas da Lua.
“À medida que mais dados se tornam disponíveis – particularmente de missões lunares atuais e futuras – a compreensão do passado da Lua continuará a evoluir”, disse Nimmo.
“Esperamos que as nossas descobertas suscitem mais discussão e exploração, conduzindo, em última análise, a uma imagem mais clara do lugar da Lua na história mais alargada do nosso Sistema Solar”, conclui.
// CCVAlg