“Ainda se faz”. O espaço em Argoncilhe é mais virado para as crianças, mas recebe pessoas de todas as idades. A “culpa” é das cabras.
Um espaço com muitos animais, natureza. Longe de tecnologias, propositadamente.
O ZAP foi conhecer a associação Back to Basic, em Argonchile, Santa Maria da Feira. São quase 10.000 m2 com muitos animais, com sujidade, sim (cuidado onde colocam os pés) – porque a natureza é isto.
Conversámos com Ana Fontes, presidente e fundadora. Começámos a contar o número de animais. Primeiro eram 80, depois mais alguns, depois já ultrapassavam os 100. E se tivéssemos ficado a fazer contas durante mais tempo…
ZAP – O que temos aqui à nossa frente?
Ana – Então, aqui à nossa frente temos um cercado onde podemos encontrar cabras, ovelhas, porcos, póneis. Cá fora dois cães.
ZAP – A conviver com cabras e tudo…
Ana – Sim. Eles dão-se todos bem, são todos amigos, são todos família.
ZAP – A Back to Basic é o quê?
Ana – É uma associação cuja função é, em primeiro lugar, a proteção da natureza, a proteção dos animais. Temos também a vertente desportiva, ligada à equitação. Mas é sobretudo a vertente pedagógica sempre associada aos animais e à natureza, ou seja, o que nós pretendemos é criar momentos em que tanto crianças como adultos possam sempre aprender algo, absorver algo que tem a ver com a natureza e com os animais. É uma coisa que nós gostamos profundamente de fazer, portanto quando se gosta do que se faz, as coisas saem com naturalidade, não é?
ZAP – Cresceste no meio da natureza?
Ana – Eu cresci no meio dos animais, numa exploração ligada no caso à produção de leite, formei-me em engenharia zootécnica, portanto sou da área. Optei por trabalhar mais, meter mais as mãos na massa e trabalhar mesmo diretamente com animais e, daí, viver rodeada deles.
ZAP – Mas houve um momento em que sentiste o impulso: é preciso criar um espaço destes? Ou não foi assim.
Ana – Foi mais ou menos… Ora bem, o impulso não fui tanto eu que o senti. Isto para mim é muito normal. Quando o projeto surgiu, nem sequer surgiu com esta vertente pedagógica; surgiu como projeto piloto de gestão de combustíveis florestais com recurso a cabras, que foi um desafio que me foi lançado pela UTAD, e a Câmara Municipal da Feira concordou. Cederam-nos um terreno onde nós pudemos fazer esse estudo. Então, isto era tudo muito ligado a essa questão da criação de cabras, dos rebanhos, do quão eficazes elas são para limpar terrenos e evitar os incêndios. Mas depois o que é que aconteceu? As nossas cabras começaram a ficar bastante famosas.
ZAP – As cabras ficaram famosas…
Ana – Ficaram famosas, foram aparecer na televisão…
ZAP – Mas porquê?
Ana – Por causa das cabras sapadoras. Em 2018 as pessoas começaram a ver as cabras a atuar na prevenção dos incêndios. E como foram aparecendo várias vezes, em vários jornais, televisões e coisas assim, as pessoas entravam em contacto connosco porque as queriam vir conhecer. Este espaço, eu usava para mim, a título pessoal. Mas as pessoas lançaram-me o desafio: “Porque isto aqui é tão giro, porque é que não abres isto aqui às crianças, às outras pessoas?”. E eu na altura disse “Mas isto é parvo: quem é que vai sair de casa pra caçar umas galochas…”.
ZAP – A tua primeira reacção foi essa: “Isto é parvo”.
Ana – Sim! (risos) Mas quem é que vai sair de casa agora para pôr lama nos sapatos, e vir para aqui para o meio dos animais, deixar o conforto do seu sofá para vir para aqui? Não, se calhar as pessoas não… Sei lá, não sei até que ponto… Ah, “vamos experimentar”. E o que é certo é que funcionou. As pessoas gostam de vir aqui, as crianças gostam de brincar livremente, de espaço para brincar, de conhecer os animais.
ZAP – Para crianças, o que funciona aqui?
Ana – Temos escola de equitação.
ZAP – Com os póneis.
Ana – Com os cavalos, mesmo. Os póneis são cavalinhos de brincar. (risos) Mas, independentemente das aulinhas, vêm aqui sempre muitas crianças para passarem aqui um bocadinho com os nossos animais. E às vezes, quando as crianças não vêm até nós, nós vamos até elas. Vamos a escolas e levamos alguns dos nossos animais e fazemos ali uma pequena apresentação.
ZAP – As escolas recebem os animais?
Ana – Exatamente. Sem hesitação. As associações de pais ou até mesmo as escolas convidam-nos para irmos lá apresentar os nossos animais porque é uma atividade gira. Muitos miúdos já nem sequer têm qualquer animal em casa porque grande parte vivem enclausurados em apartamentos. E com os seus horários não têm grande disponibilidade pra ter animais (e a verdade é que, se a pessoa não tiver disponibilidade, às vezes mais vale não ter animais). As crianças têm pouco contacto com animais, muito menos com animais de quinta, portanto é sempre giro de repente eles estarem na sala de aula e entrar-lhes por lá dentro um cabrito.
ZAP – E os adultos também agradecem.
Ana – Sim, os adultos também gostam. Aliás, às vezes acontece que os adultos se entusiasmam mais que as crianças.
ZAP – No final de setembro realizaram a desfolhada. Têm atividades dessas abertas ao público?
Ana – Sim, ao longo do ano nós vamos sempre tentando fazer atividades que tenham relação com as tradições agrícolas. Desfolhada, para nós, é o evento quase obrigatório. É uma coisa que, para nós, é quase como o carnaval no Rio de Janeiro: de um ano para o outro, já estão a pensar como vai ser no ano seguinte. É algo muito giro, é algo que muitas pessoas já não se lembram de ver há uma porrada de anos, então acaba por ter uma envolvência muito, muito boa.
ZAP – Eu vi aqui dezenas e dezenas, se calhar, centenas de pessoas na desfolhada. Há adesão aos vossos eventos?
Ana – Sim. As pessoas gostam desta envolvência, de… Faz recordar. Até pessoas mais velhas, nem tem que ser necessariamente crianças: tivemos aqui avós, porque se lembram de quando eram mais novas, daquelas tradições e do vinho doce…
ZAP – Aquela sensação do “ainda se faz”.
Ana – Ainda se faz. E as pessoas gostam muito de saber que ainda se faz. Faz-se pouco mas ainda há quem goste disso e que mantém essas tradições.
ZAP – Como é que uma associação destas sobrevive?
Ana – Temos sócios. Ainda poucos porque a associação é relativamente recente.
ZAP – 2018?
Ana – O projeto surgiu em 2018. Inicialmente eu tornei-me uma empresa, até que chegou a um ponto em que nós achámos que isto é um barco demasiado grande para uma pessoa sozinha.
ZAP – Concordo.
Ana – Portanto eu precisava de ajuda, e achei que que tínhamos todo o mérito em ser uma associação, porque nós no fundo também fazemos muito trabalho social, junto da comunidade, junto das escolas. E fazemos uma coisa que já se começa a ver, mas que ainda há muita falta: terapias com cavalos. Como associação, tínhamos mais voz, conseguimos chegar a mais pessoas. Porque convenhamos, eu sou a Ana; e que capacidade é que tenho eu, Ana, para chegar à beira das pessoas e pedir ajuda? Quando eu sou uma associação, eu preciso de ajuda, e eu estou aqui para ajudar as outras pessoas, também preciso que me ajudem, e as pessoas aderem.
ZAP – Quantas pessoas estão na associação?
Ana – Somos nove. Diariamente aqui somos duas.
ZAP – E além dos sócios…
Ana – Organizamos festinhas de aniversário para todas as idades, fazemos este tipo de eventos como desfolhada, magusto, desenterrar das merendas… Atividades agrícolas, mas não só.
ZAP – O nome em inglês é “regresso ao básico, de volta ao básico”. O que é para ti o básico?
Ana – É o simples. É isto. Aqui o que funciona é o simples, é a simplicidade. Os miúdos hoje em dia estão todos ligados à internet constantemente, e estão sempre nos tablets a jogar. Aqui a pessoa passa o dia e nem se lembra disso. Aqui não há essa necessidade de tecnologia, essa necessidade de estarmos sempre conectados às redes, não há essa necessidade aqui; somos só nós e os animais e a natureza. É como o que se fazia antigamente nos tempos dos nossos avós, em que toda a gente ia ao monte, os mundos estavam limpos porque havia rebanhos de cabras, porque as pessoas iam buscar a caruma aos montes… O ecossistema ia funcionando, portanto isto aqui é voltar a fazer o ecossistema funcionar, sem o recurso a tecnologias e a máquinas.
ZAP – Que se calhar faz bem a nível mental.
Ana – Faz muito bem. Muito bem, muito bem. E das melhores coisas que se pode fazer é: deitar ali na cama de rede no meio das árvores e estar a ler um livro. A pessoa está relaxada, abstrai-se de tudo, dos zumbidos, dos barulhos das cidades, da confusão, dos trânsitos. Aqui estamos próximos de tudo mas ao mesmo tempo estamos longe, temos aqui um bocadinho de sossego.
ZAP – Agora vou puxar pela tua memória: ao longo destes anos, guardas alguma memória especial de uma reação, seja de criança ou de adulto, quando esteve em contacto convosco pela primeira vez?
Ana – Sim, temos algumas. Ainda hoje de manhã aconteceu uma citação que acontece muitas vezes. Fomos a uma escola, levamos alguns animais e as crianças ficaram tão felizes por estarem em contacto com os animais; e uma das crianças teve uma reação que muitas vezes acontece aqui em festas de aniversário: a criança vira-se para mim e diz “Hoje é o dia mais feliz da minha vida!”
Conversa completa:
Parabéns pela reportagem, gostei muito, porém sugiro que faça sempre uma cuidada revisão gramatical antes de publicar.
Cara leitora,
Obrigado pelo reparo. Havia efetivamente algumas gralhas no texto, que foram corrigidas.