Em causa está o assédio a uma funcionária da sociedade gestora do futebol profissional do Boavista. Tudo terá acontecido quando Vítor Murta ainda liderava a SAD dos axadrezados.
Vítor Murta, presidente do Boavista, foi punido com seis meses de suspensão e 2.448 euros de multa por “comportamentos discriminatórios”, de acordo com o acórdão divulgado esta sexta-feira pelo Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF).
Em causa está o assédio a uma funcionária da sociedade gestora do futebol profissional ‘axadrezado’. O processo disciplinar instaurado em 3 de outubro de 2023, quando Murta ainda liderava a SAD do Boavista (atualmente preside apenas ao clube do Bessa).
“Durante o período de tempo em que a ofendida trabalhou na Boavista SAD, concretamente entre setembro de 2019 e meados de novembro de 2022, o arguido adotou, designadamente por meio de expressões e alusões grosseiras, comportamentos inconvenientes e que importunavam a ofendida, à data dos factos ainda bastante jovem“, explicou o CD, numa decisão passível de recurso para o Conselho de Justiça da FPF ou para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD).
Em causa estão infrações ao artigo 137.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), que pune “os dirigentes que tenham comportamentos que atentem contra a dignidade humana, em função da raça, cor, língua, religião, origem étnica, género ou orientação sexual”.
“Porque não vens cá dar-me um beijinho?”
“Em data não concretamente identificada, mas em momento anterior àquele em que assumiu funções de secretária do Presidente, o Arguido, dirigindo-se à ofendida, e na presença de outros colegas de trabalho, disse o seguinte:
“Tens que vir comigo treinar para o ginásio dos jogadores, mas só se ficares na bicicleta da frente‘”, lê-se num excerto do acórdão citado pelo Zerozero.
“Certo dia, não concretamente apurado, mas ocorrido durante o ano de 2021, o Arguido disse para a ofendida pegar nas coisas dela e vir com ele (era comum acompanhar o Presidente em diversos afazeres). Quando já estavam no carro e apesar de lhe perguntar para onde iam o então Presidente respondeu: ‘quando lá chegares vês‘. Porque se apercebeu que estavam na A1 em direção a Lisboa voltou a insistir e questionar sobre qual o destino, tendo obtido sempre a mesma resposta, concretamente «quando lá chegares vês'”.
“Como estava assustada e a ficar sem bateria no telemóvel, e depois de aproveitar uma paragem numa estação de serviço, ligou para o seu pai a dar-lhe conta da situação, concretamente que não estava no local de trabalho, que não sabia para onde é que estava a ir e que estava a ficar sem bateria no telemóvel, tendo ainda partilhado a sua localização através do WhatsApp”.
“Posteriormente, e sem nunca ter sido informada até então, quando visualizou a placa a dizer Fátima, o Arguido disse-lhe ‘estás a ver para onde vamos’. Nessa sequência, e depois de o Arguido ter colocado uma vela no Santuário de Fátima, voltaram para o estádio do Bessa.
“Durante o período em que exerceu funções de secretária do Presidente, o Arguido enviou, por diversas vezes, mensagens através do WhatsApp para a ofendida dizendo: ‘Porque é que não vens cá em cima dar-me um beijinho?’ (outras vezes era um abraço)”, lê-se no mesmo acórdão.
“Porque não me queres?”
“Em dias não concretamente apurados, mas durante o período em que a ofendida trabalhou na Boavista, SAD”, Murta “agarrou no braço da ofendida (exercendo alguma força) no interior do elevador”.
Dirigindo-se à ofendida, questionou: “‘porque é que tu não me queres, é por eu ser o Presidente?‘, ao que esta respondeu, que não tinha nada que ver com o facto de ser Presidente, mas que não queria nada com ele e que ele era bastante mais velho”, cita o ZZ.
“Os comportamentos suprarreferidos, reiterados e constantes, e que ocorreram maioritariamente na parte final do período em que trabalhou no Boavista, apenas cessaram quando a ofendida disse ao Arguido que ou parava com aquelas coisas ou iria fazer queixa de assédio sexual e se despediria”.
SAD e Fary “tomarão as medidas necessárias”
A administração da SAD do Boavista repudiou esta sexta-feira com veemência a condenação por assédio sexual do presidente do clube da I Liga.
“Os acontecimentos em questão mancham gravemente a imagem do Boavista, uma instituição com uma longa trajetória de respeito, dedicação ao desporto e compromisso com a comunidade. As infrações relatadas revestem-se de uma gravidade extrema e que violam a dignidade humana, não podendo, sob qualquer circunstância, ser toleradas ou relativizadas”, observou a direção liderada pelo senegalês e ex-avançado dos axadrezados, Fary Faye, em comunicado publicado no sítio oficial das ‘panteras’ na Internet.
“Perante esta situação, a Boavista SAD tomará as medidas necessárias, agindo com a firmeza que a gravidade dos factos exige, e espera que todos, sem exceção, assumam integralmente as suas responsabilidades. O novo Conselho de Administração reafirma o compromisso inabalável de defender a honra e a integridade desta instituição, mantendo sempre como prioridade os valores da ética e do respeito por todos”, concluiu a estrutura encabeçada por Fary, sucessor de Vítor Murta na presidência da SAD desde maio.
“Aberração jurídica“. Murta nega condenação por assédio
O presidente do Boavista nega, em comunicado publicado no site dos boavisteiros, as informações que vieram a público, e diz que a condenação teve lugar por um “ato de discriminação”.
“A decisão, atualmente em fase de recurso, condena o antigo Presidente do Conselho de Administração da SAD pelo cometimento de um ato de discriminação e não por assédio sexual. Assim, é completamente falso que tenha havido qualquer condenação por assédio sexual.
“Adicionalmente, o processo em questão carece de qualquer prova que possa sustentar uma condenação, tratando-se de uma autêntica aberração jurídica. Foram ouvidas diversas testemunhas que negaram os factos imputados”, defende-se.
“Esta denúncia “anónima” apresenta um claro objetivo estratégico, tendo sido formulada a escassos meses do término do mandato como Presidente do Conselho de Administração da SAD e igualmente próximo do término do mandato como Presidente do Clube”, acrescenta.
“Este é um estigma que permanecerá indelével na minha vida, independentemente da certeza absoluta que possuo de que a decisão será revertida em sede de recurso. Contudo, para aqueles que consideram que deixarei de estar atento ao que sucede com o Boavista devido a denúncias “anónimas”, desejo deixar claro que estão completamente enganados. O conforto da minha inocência impulsiona-me a lutar pela justiça, utilizando todos os meios legais ao meu dispor para combater este conjunto de mentiras, inverdades e difamações”, conclui.
ZAP // Lusa