O “culpado” pela perda de biodiversidade vai mudar nos próximos anos

ZAP // Dall-E-2

Estudo revela que as alterações climáticas podem tornar-se a principal causa da perda de biodiversidade até 2050.

Foi publicado o maior estudo com recurso a modelos climáticos realizado até agora. Com toque português.

O artigo científico Tendências e cenários globais para a biodiversidade terrestre e serviços ecossistémicos de 1900 a 2050 contou com a participação de vários investigadores portugueses, entre eles o docente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), Carlos Guerra.

O estudo, explica a Universidade de Coimbra (UC) ao ZAP, indica que as alterações climáticas podem tornar-se a principal causa da perda de biodiversidade até 2050.

Especialistas têm considerado – numa visão que não é unânime – que as mudanças no uso do solo são uma das principais causas para a perda de biodiversidade.

Esta nova análise revela que a biodiversidade global diminuiu entre 2 e 11% ao longo do século XX; essa sim, uma diminuição resultante exclusivamente das alterações na utilização dos solos.

Mas os cientistas estimam que o cenário vai mudar até 2050. As mudanças na utilização dos solos vão continuar a ter um papel relevante, mas as alterações climáticas vão ser as maiores “culpadas”.

A equipa de investigação utilizou modelos climáticos para calcular os impactos das alterações da utilização dos solos na biodiversidade global ao longo do século XX.

Foram comparados 13 modelos para calcular o impacto das mudanças na utilização dos solos e das alterações climáticas em quatro indicadores de biodiversidade diferentes, e em nove serviços de ecossistemas.

“A inclusão de todas as regiões do mundo no nosso modelo permitiu preencher diversas lacunas e rebater as críticas de outras abordagens que trabalham com dados parciais e potencialmente enviesados”, refere o primeiro autor do estudo Henrique Pereira, da Universidade do Porto.

“Todas as abordagens têm os seus prós e contras, mas achamos que a nossa metodologia de modelação apresenta uma estimativa mais exaustiva das tendências globais da biodiversidade”, acrescenta.

Com outros cinco modelos, os investigadores calcularam também o impacto simultâneo das alterações do uso do solo nos chamados serviços dos ecossistemas – ou seja, os benefícios que a natureza disponibiliza aos seres humanos.

No século passado, verificou-se um aumento massivo dos serviços de aprovisionamento, como a produção de alimentos e de madeira. Em contrapartida, os serviços de regulação, como a polinização, a fixação de azoto ou o sequestro de carbono, tiveram uma diminuição moderada. Os investigadores analisaram também a potencial dinâmica de evolução da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas. Para estas projeções, integraram nos seus cálculos as alterações climáticas como um fator crescente e determinante das alterações na biodiversidade.

Este estudo reforça que as alterações climáticas vão ter um impacto negativo acrescido, tanto na biodiversidade, como nos serviços dos ecossistemas.

A equipa avaliou três cenários amplamente utilizados, desde um cenário de desenvolvimento sustentável até um de emissões elevadas de gases com efeito de estufa.

Em todos os cenários, a conjugação do impacto das alterações do uso do solo e das alterações climáticas resulta numa perda de biodiversidade em todas as regiões do mundo, existindo, no entanto, variantes significativas entre regiões, modelos e cenários.

Para o docente da UC, Carlos Guerra, “este estudo ilustra de forma muito clara os impactos que resultam das ações humanas sobre o planeta e sobre a biodiversidade da qual nós dependemos e a dimensão das alterações que estão a ocorrer um pouco por todo o mundo”.

“O objetivo dos cenários a longo prazo não é prever o que vai acontecer, mas sim identificar alternativas para conseguirmos evitar os cenários menos desejáveis, e sabermos escolher aqueles que tenham impactos positivos”, avança a investigadora da Universidade de York e coautora do artigo, Inês Martins. “São processos que dependem das decisões que tomamos diariamente”, acrescenta.

Os autores salientam ainda que mesmo o cenário de “desenvolvimento sustentável” avaliado não recorre a todas as medidas passíveis de serem implementadas para a proteção da biodiversidade nas próximas décadas, como por exemplo, a produção de bioenergia.

Apesar de a produção de bioenergia ser uma componente fundamental no cenário de sustentabilidade, podendo ajudar a mitigar o impacto das alterações climáticas, pode, no entanto, levar também à redução da diversidade de habitats. Nenhum dos cenários avaliados considerou medidas para aumentar a eficácia e a cobertura das áreas protegidas ou o rewilding [‘renaturalização’] em larga escala.

Os autores do estudo repetem que as políticas atuais são “insuficientes” para atingir os objetivos internacionais em matéria de biodiversidade.

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