Goldeno: uma nova e estranha forma de ouro tem apenas um átomo de espessura

ZAP // Dall-E-2

Durante séculos, os ourives procuraram maneiras de achatar o ouro em formas cada vez mais finas. Uma abordagem baseada na química moderna criou finalmente um material de ouro que, literalmente, não pode ser mais fino: tem uma única camada de átomos.

Uma equipa de cientistas conseguiu pela primeira vez criar folhas de ouro com apenas um átomo de espessura.

Seguindo as convenções de nomenclatura da ciência dos materiais, os investigadores deram a este novo material bidimensional o nome de “goldeno“.

Este material tem algumas propriedades interessantes, não observadas na forma tridimensional do ouro, que foram apresentadas num artigo publicado esta quinta-feira na revista Nature Synthesis.

“Se fizermos um material extremamente fino, acontece algo de extraordinário — como acontece com o grafeno”, explica o cientista de materiais Shun Kashiwaya, investigador da Universidade de Linköping, na Suécia, e primeiro autor do artigo, em comunicado publicado no EurekAlert.

A mesma coisa acontece com o ouro. Como se sabe, o ouro é normalmente um metal, mas se tiver a espessura de uma camada de um átomo, pode tornar-se num semicondutor“, acrescenta o cientista.

Conseguir ouro com uma configuração bidimensional é um grande desafio, devido à sua tendência para se aglomerar. As tentativas anteriores resultaram ou numa folha fina com vários átomos de espessura, ou numa monocamada ensanduichada entre ou sobre outro material.

Kashiwaya S., Hultman L. / Nat. Synth

Kashiwaya e os seus colegas não tinham como objetivo fabricar goldeno, mas tropeçaram por acidente nos primeiros passos do seu processo.

“Tínhamos criado o material de base com aplicações completamente diferentes em mente”, diz o físico de materiais Lars Hultman, também investigador da Universidade de Linköping e autor principal do estudo.

“Começámos com uma cerâmica condutora de eletricidade chamada carboneto de silício de titânio, onde o silício se encontra em camadas finas. Depois, a ideia era revestir o material com ouro para fazer um contacto“, explica Hultman.

“Mas quando expusemos o componente a altas temperaturas, a camada de silício foi substituída por ouro no interior do material de base”, conta o investigador.

Até aqui tudo bem. Mas, tal como noutras tentativas de criar ouro em monocamada, o progresso estagnou nesta fase crítica.

Olov Planthaber

Lars Hultman e Shun Kashiwaya, investigadores da Universidade de Linköping, criaram “goldeno”

Durante vários anos, o carboneto de ouro e titânio intercalado que a equipa tinha criado não passou disso mesmo; não havia qualquer forma de extrair as camadas super-finas de ouro de entre as camadas de titânio e carbono que o ensanduicham.

Mas, na sua pesquisa, os investigadores experimentaram aplicar o chamado “reagente de Murakami” a uma técnica tradicional de “etching” — processo de gravação em que se usa um ácido ou outro agente químico para cortar ou gravar linhas numa superfície, muitas vezes utilizado para criar estruturas ou padrões a nível microscópico em materiais.

O reagente de Murakami é uma mistura de químicos utilizados na metalurgia para gravar o carbono e manchar o aço, resultando no tipo de padrões que se vêem em algumas facas japonesas.

Os investigadores experimentaram diferentes concentrações da mistura e diferentes períodos de tempo para que o processo de corrosão corroesse o titânio e o carbono em torno do ouro. Quanto mais tempo deixavam a mistura repousar, melhores eram os resultados.

O efeito de corrosão do reagente de Murakami cria um subproduto chamado ferrocianeto de potássio. Se for exposto à luz, o composto liberta cianeto que dissolve o ouro, pelo que o processo de gravação teve de ser feito totalmente no escuro.

Ainda assim, a fina folha de ouro obtida tinha tendência para se enrolar e aglomerar, o que foi resolvido com a adição de um tensioativo que impediu que a camada se dobrasse e se colasse a si própria, mantendo a integridade da monocamada.

Análises posteriores revelaram que estes passos complicados conseguiram finalmente formar um material estável, composto por uma mono-camada de ouro, tal como as simulações teóricas tinham previsto.

Normalmente, o ouro é um excelente condutor de eletricidade. Quando o elemento assume a forma de uma folha bidimensional, os átomos têm duas ligações livres, transformando-o num semicondutor com propriedades condutoras entre um condutor e um isolante, cuja condutividade pode ser ajustada.

O ouro já tem propriedades que o tornam muito apreciado em aplicações químicas. Ao conferir-lhe as propriedades de um semicondutor, abre-se um leque totalmente novo de formas de utilização, incluindo a purificação da água, a comunicação e os processos químicos de fabrico.

Resta agora saber se o novo material vai adotar em português a designação de “goldeno” ou… “oureno”.

Armando Batista, ZAP //

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