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E se fosse possível fazer transplantes como em ‘Pobres Criaturas’? Há três desafios

SearchlightPictures/Youtube

Bella Baxter, interpretada por Emma Stone, vive descomplexadamente após um transplante de cérebro em ‘Poor Things’

Já foram feitos num cadáver, num macaco e quase num humano vivo, mas os transplantes de cérebro continuam longe do nosso lado do ecrã. Entrar no crânio é fácil, mas é depois da operação que as coisas se complicam.

É uma experiência surreal aquela a que Bella Baxter é submetida no recente filme do realizador grego Yorgos Lanthimos, e quando — ou se — os transplantes de cérebro humano chegarem a este lado do ecrã, também poderão revolucionar a vida de muitos, especialmente a dos que desejam um novo corpo, mantendo a sua identidade original.

Spoiler alert: em ‘Poor Things’ (‘Pobres Criaturas’), este procedimento é, no mínimo, macabro. Às mãos do God, o Dr. Godwin Baxter (interpretado por Willem Dafoe), a traseira do crânio de Victoria, por esta altura já um cadáver, é aberta como quem descasca uma laranja e o seu cérebro é removido e substituído por um “vivo” — o do seu filho, ainda por nascer.

O conceito de transplante de cérebro humano não é novo, mas está, por diversas razões, muito longe de ser uma realidade.

Os primeiros transplantes de cérebro

Em 2015, o neurocirurgião Sergio Canavero conquistou a atenção do mundo após dizer estar muito próximo de realizar o primeiro transplante de cérebro humano: sugeria um futuro onde mentes poderiam ser transplantadas para corpos diferentes.

O russo Valery Spiridonov — programador informático de 30 anos que sofria de uma rara condição de perda muscular genética, conhecida como doença de Werdnig-Hoffmann — foi o escolhido para se tornar o primeiro paciente a ter um transplante de cabeça no mundo, mas cabaria por desistir de tais planos devido aos riscos envolvidos na operação.

No entanto, Canavero chegou a fazer o transplante… em cadáveres (e num macaco, que terá sobrevivido “sem qualquer tipo de lesão neurológica ou de outro tipo”).

A operação de 18 horas no cadáver demonstrou que é possível refazer com êxito as ligações da coluna vertebral, dos nervos e dos vasos sanguíneos entre a cabeça e o corpo. “Todos disseram que era impossível, mas a cirurgia foi um êxito”, assegurava o visionário.

A comunidade científica, no entanto, recebeu a notícia com ceticismo e as pesquisas de Xiaoping Ren, o médico chinês por trás das duas cirurgias, não foram validadas cientificamente pelos seus pares.

A equipa de Canavero já publicou diversos artigos sobre as suas técnicas de seccionamento e reatamento de ligações da medula espinhal em diversos animais vivos, mas os estudos não receberam validação científica – particularmente por não descreverem com exatidão a técnica usada.

Naturalmente, surgiam várias questões. Como aceder ao cérebro sem causar danos irreversíveis? Como conectar a intrincada rede de nervos e vasos sanguíneos do cérebro a um novo corpo e gerir, posteriormente, as consequências, entre as quais a potencial rejeição por parte do sistema imunitário e a adaptação do cérebro ao seu novo ambiente?

Navegar no cérebro

Aceder ao cérebro envolve navegar através do crânio e das camadas protetoras do cérebro, ou meninges, o que é relativamente simples dadas as técnicas neurocirúrgicas modernas.

No entanto, a remoção e transplantação real do cérebro traz desafios monumentais devido à natureza delicada dos nervos cranianos e da medula espinhal, que não se reconectam muito facilmente uma vez cortados.

A necessidade de restaurar o fornecimento de sangue ao cérebro transplantado também complica todo o procedimento, sublinha o neurocientista e anatomista Dan Baumgardt.

Supondo que era possível: e depois?

O período após tal transplante é o que levanta mais questões. Será que o cérebro transplantado seria capaz de controlar o seu novo corpo? Quem viu Emma Stone em ‘Pobres Criaturas’ percebeu as dificuldades, mas quem sabe se chegaríamos ao ponto de conseguir sequer andar ou pensar.

Como reagiria o sistema imunitário ao tecido alheio? A típica resposta do nosso corpo ao tecido desconhecido é a rejeição, que poderia ser catastrófica se a barreira hematoencefálica protetora não estivesse intacta após a operação.

A integração psicológica e fisiológica do cérebro e o seu novo corpo permanecem uma incógnita: será que o cérebro se adaptaria e aprenderia como faria numa fase normal de desenvolvimento? Afinal, (spoiler alert), Bella “cresceu” num corpo adulto.

É um mistério que deve permanecer um mistério, dadas as implicações éticas que dificultam um processo já considerado, por muitos, inatingível.

Tomás Guimarães, ZAP //

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