Na Idade Média as pessoas dormiam em armários (por estranhas razões)

Wolfgang Sauber / Wikimedia

Num museu em Wick, no extremo norte da Escócia, está em exibição um objeto  com a aparência de um armário de pinho particularmente grande.

Com duas portas duplas de cima abaixo na frente e malas empilhadas em cima, ele ficaria bem adaptado a um quarto de dormir modesto.

O armário foi até montado como um móvel comum, com várias peças que se encaixam, para poder ser facilmente movido e montado novamente.

Mas esse armário não foi projetado para guardar camisas ou casacos. O seu interior  não tem cabides, nem prateleiras. Trata-se de uma cama-armário, projetada para as pessoas dormirem no seu interior.

Também conhecida como cama em caixa ou fechada, a cama-armário foi surpreendentemente popular em toda a Europa entre a era medieval e o início do século XX. Estes móveis pesados são exatamente o que imagina: uma caixa de madeira com uma cama.

Algumas dessas camas-armário eram simples e humildes – apenas caixas básicas de madeira. Outras eram detalhadamente decoradas, com laterais pintadas, revestidas ou entalhadas.

Muitas vezes, os armários tinham portas que se fechavam para fornecer à pessoa que ali dormia a escuridão do seu interior apertado. Outros tinham uma pequena janela com cortinas.

Os mais sofisticados possuíam diversos outros usos e incluíam gavetas e um assento na base.

Durante séculos, agricultores, peixeiros e até membros da nobreza sonolentos esgueiravam-se todas as noites para estas confortáveis tocas de madeira, provavelmente com cuidado para não esmagar os cotovelos, e fechavam-se ali dentro para dormir.

As camas-armário eram móveis versáteis. Muitas vezes, elas eram usadas quase como quartos de dormir em miniatura — lugares sobressalentes para as pessoas dormirem quando não havia espaço suficiente.

Num caso de 1890, uma família que morava nos planaltos escoceses era grande demais para a sua casa só com um quarto. Por isso, alguns dos seus membros dormiam numa cama-armário no celeiro, entre os cães e os cavalos, segundo a organização histórica Wick Society.

Também era comum usar as camas-armário para abrigar trabalhadores migrantes em algumas regiões, como os peixeiros que viajavam para a região de Wick durante a estação de pesca do arenque. Nessas ocasiões, até cinco ou seis pessoas costumavam partilhar a mesma cama.

Na verdade, partilhar uma cama-armário com familiares ou colegas de trabalho não era algo incomum.

No melodrama The Factory Lad (“O Rapaz da Fábrica”, em tradução livre), de 1825, os trabalhadores dormiam em grupos de camas-armário, com duas ou três pessoas em cada uma.

Algumas tinham orifícios de ventilação, mas agrupar muitas pessoas num ambiente tão fechado poderia gerar riscos de asfixia. Um conto francês do século XIII fala de uma mulher que escondeu três convidados secretos dentro de uma cama e eles morreram no seu interior abafado.

As camas-armário eram particularmente comuns na Grã-Bretanha e no continente europeu.

Um relato de 1840 conta que a maioria dos chalés da região da Bretanha, na França, incluía esses móveis, normalmente feitos de carvalho. Tinham até 1,2 metros de altura e contavam com a necessária roupa de cama.

Às vezes, havia várias camas-armário num mesmo quarto, cada uma delas com um longo baú de madeira na sua base.

“Este era sempre o assento de honra, servindo também de degrau para ajudar a minha anfitriã a subir para a sua cama elevada”, segundo o historiador britânico Thomas Adolphus Trollope (1810-1892).

Mas havia outro benefício nestes caixões usados para dormir: o aquecimento.

Sem os sistemas modernos de aquecimento ou isolamento, os quartos de dormir podiam ser gelados no inverno – tão frios que era prática comum ir para a cama usando um chapéu, expondo apenas o rosto. E o clima era significativamente mais frio naquela época.

O reconhecido professor de história Roger Ekirch, da Universidade Estadual da Virgínia, nos Estados Unidos, é o autor do livro At Day’s Close: A History of Nighttime (“No Fechamento do Dia: uma História das Horas Noturnas”, em tradução livre).

Ekirch explica que, entre os séculos XIV e XIX, a Europa e parte da América do Norte atravessaram a Pequena Idade do Gelo. Em Londres, por exemplo, o rio Tamisa congelou em 18 ocasiões, o que não acontece desde 1963.

“Os diários falam em seiva da lenha queimada na fogueira que se congelava assim que saía pelas extremidades… Tinteiros congelavam durante a noite”, conta o professor.

Numa situação como esta, dormir em camas partilhadas passava a ser uma possibilidade atraente — e, mais do que isso, o ambiente protegido da cama-armário mantinha o ar quente preso no seu interior.

Com o passar do tempo, a cama-armário ficou associada à pobreza e à vida no campo e acabou por sair de moda. Em meados do século XX, elas já eram uma raridade.

Hoje, é possível comprar tendas para camas, que transformam a área de dormir em pequenas cavernas com maior privacidade. E há também “recantos para dormir”, de madeira, muito parecidos com as camas-armário, para pessoas que desejarem adotar um “estilo campestre” nas suas casas.

ZAP // BBC

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