O chumbo à polémica proposta de lei migratória de Macron deixou o Governo de mãos atadas e gerou um pedido de demissão.
Num desenvolvimento político significativo, o parlamento francês rejeitou na segunda-feira o projecto de lei de imigração de Emmanuel Macron, o que levou o Ministro do Interior, Gerald Darmanin, a pedir a demissão. No entanto, o Presidente francês recusou a demissão de Darmanin, instruindo-o a procurar novas soluções para avançar com a legislação.
A Assembleia Nacional, numa reviravolta surpreendente, adoptou uma moção para rejeitar o controverso projecto de lei de imigração sem debate. Após este revés, a primeira-ministra Elisabeth Borne convocou uma reunião de emergência com os ministros e legisladores.
O projecto de lei, inicialmente proposto pelo Governo centrista de Macron, visava uma abordagem dupla para expulsar mais imigrantes sem documentos e melhorar a integração dos imigrantes em sectores que dependam da mão de obra estrangeira, tentando simultaneamente agradar à esquerda e à direita.
No entanto, após passar pelo Senado, que está sob controlo da direita, a proposta endureceu, especialmente após o ataque cometido em Outubro por um antigo aluno de origem russa contra um professor em Arras, que reacendeu o medo entre a população francesa de atentados cometidos por estrangeiros.
As principais componentes do projeto eram regras mais apertadas para o acesso a apoios sociais e à cidadania por nascimento e para a vinda dos familiares dos imigrantes para França. Outras medidas incluíam encurtar os prazos de recurso e deportar crianças que tivessem menos de 13 anos ao chegarem à França ou pais estrangeiros cujos filhos tivessem nacionalidade francesa.
O principal aceno à esquerda incluído no projecto original também foi diluído. No projecto original, os trabalhadores em sectores com escassez de pessoal deveriam obter uma autorização de trabalho automática de um ano, mas a versão atual dava mais poder às autoridades locais, que podiam aplicar os seus próprios critérios para decidir quem recebe o visto.
Apelidada de “lei da vergonha” pelos críticos, o projecto queria também facilitar a expulsão de estrangeiros considerados perigosos, introduzir uma quota anual para o número de chegadas a ser definida pelo Parlamento e apenas dar cuidados de saúde para imigrantes ilegais em casos de emergência.
Com a moção de rejeição iniciada pelos Verdes, a Assembleia acabou por votar contra o projecto por uma margem estreita de 270 a 265, com as facções de esquerda e a extrema-direita a unirem-se no chumbo.
“É um falhanço, obviamente. Quero dar à polícia, gendarmes, autarcas e magistrados os meios para lutarem contra a imigração irregular”, comentou Darmanin à estação televisiva TF1.
A líder da extrema-direita, Marine Le Pen, celebrou o resultado, alegando que salvaguardou os franceses de uma “onda migratória“. Por outro lado Jean-Luc Mélenchon, do partido de esquerda radical França Insubmissa, acredita que Darmanin chegou ao “fim da estrada”.
Mais cedo, no dia da votação, cerca de 200 pessoas, incluindo trabalhadores sem documentos, protestaram contra a proposta em frente ao Palais Bourbon em Paris. Sophie Binet, líder do sindicato CGT, aponta a “hipocrisia” da regularização, lembrando que vários sectores da economia francesa dependem da mão de obra dos imigrantes.
Milhares de pessoas protestaram também nos últimos dias nas proximidades da estação de Montparnasse, no sul de Paris, gritando slogans como “não somos perigosos”. O grupo era formado maioritariamente por trabalhadores vindos do Mali, na África Ocidental.
“Muitos de nós, imigrantes sem documentos, pagamos impostos e taxas de previdência social sem beneficiarmos dos serviços. O Governo do presidente Emmanuel Macron trata-nos como se não valêssemos nada, apesar de estarmos a fazer todo o trabalho pesado – em obras, incluindo as dos próximos Jogos Olímpicos, em restaurantes e nos serviços de limpeza”, apontou o malinês Ahmada Siby, de 33 anos, à DW.
Esta votação interrompe a análise de aproximadamente 2600 emendas propostas à legislação. O Governo agora enfrenta a escolha de enviar o projeto de volta ao Senado ou retirá-lo completamente.