Apesar da tensão em torno da fuga de informação sobre a reunião do Conselho de Estado, Costa e Marcelo apareceram juntos na comemoração dos 50 anos do Movimento dos Capitães de Abril.
Mais uma semana, mais uma polémica entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. O caldo entornou quando saíram notícias sobre um suposto “amuo” de António Costa durante a última reunião do Conselho de Estado, onde o líder do Governo terá ficado em silêncio e sido pouco interventivo.
Rapidamente surgiram rumores de que o silêncio de Costa se devia a um conflito com Marcelo, algo que o chefe de Estado negou, recusando alimentar boatos sobre uma nova “querela” entre Belém e São Bento.
Costa também disse não haver “qualquer diferendo” com Costa, mas deixou claro que “o debate político faz-se com o líder da oposição”, e não com o Presidente da República. Esta afirmação soa a déjà vu após a guerra aberta que o Galambagate causou entre Marcelo e Costa, com o primeiro-ministro a recusar demitir o Ministro das Infraestruturas e a indicar ao Presidente da República que deve ficar no seu “galho” e não se envolver em questões do Governo.
Desta vez, o clima de conflito é mais morno, mas o desconforto já vinha de trás. De acordo com o Expresso, a data escolhida por Marcelo para o Conselho de Estado — no dia seguinte ao debate do Estado da Nação no Parlamento — terá sido um sinal de que o chefe de Estado queria ter a última palavra.
Falava-se que Marcelo queria que a reunião servisse para se fazer um balanço de todas as polémicas que têm abalado o Governo e até da possibilidade de o chefe de Estado fazer uma declaração ao país. Mas o silêncio de Costa acabou por descarrilar estes planos.
Há socialistas que já falam numa “guerra surda”. “O PR tem assumido diferenças e sido muito duro no uso da palavra, mas tem tido a preocupação de não escalar para um confronto aberto”, refere um dirigente socialista ao Expresso, que descreve o silêncio de Costa como uma “cartada alta”.
Mas uma crença parece ser comum a todos — ninguém acha que Marcelo vai dissolver a Assembleia da República e “correr o risco de ficar como o Presidente que deu posse a um Governo com o Chega”. As constantes críticas do chefe de Estado também fragilizam Luís Montenegro, que deixa de ser visto como o líder da oposição.
Há quem preveja que a tensão se mantenha, mas sem grandes escaladas. “O PR sempre quis mostrar que tinha algum poder de moderação sobre o Governo e, mesmo quando nos dávamos melhor, falava de dissolução sempre que lhe apetecia. Se o PR começou a vincar as diferenças, mais vale assumirmos”, refere um socialista.
Frente unida em público
Apesar da tensão em privado, Marcelo e Costa mostraram estar tão amigos como sempre no almoço que assinalou os 50 anos do Movimento dos Capitães de Abril, ocorrido no Monte do Sobral, em Alcáçovas. Inspirados pelo espírito pacífico da Revolução, os dois até trocaram cravos.
O Presidente evitou abordar as polémicas sobre fugas de informação do Conselho de Estado. “Nunca houve divergências que não sejam do funcionamento normal da democracia”, garante.
As interações entre Costa e Marcelo foram observadas sob um microscópio, desde o aperto de mão e o “bom dia, sr. Presidente, como está?” de Costa, até à sua postura durante o almoço. Notavelmente, Costa optou por não fazer declarações à imprensa ao lado do Presidente, apesar de ter sido convidado a fazê-lo.
Também não se sabe se conversaram durante o almoço, porque a organização pediu à comunicação social que saísse do salão. Na rua, quando Marcelo recebeu um cravo branco e lamentou-se por não ter um vemelho, o primeiro-ministro prontamente tirou o seu da lapela e deu-o ao chefe de Estado.
Na sua intervenção, o Presidente aplaudiu a conquista da democracia. “Uma coisa é certa: é de todos. E muito feliz pelo facto de aqui estarmos um primeiro-ministro e um Governo de esquerda com um Presidente de direita. Significa que o 25 de Abril, nascendo à esquerda, é da esquerda e da direita portuguesa”, referiu.
Mesmo admitindo que “democracia não é perfeita“, tal como os seus bate-bocas com Costa o demonstram, “é construída todos os dias”. “Nós somos tolerantes e então nós, que temos responsabilidades no exercício de funções no poder político, temos que ser tolerantes”, rematou.