Acusações históricas contra Trump. “Projeto criminoso” com mentiras, raiva e desconfiança

1

Seth Wenig / EPA

Ex-presidente dos EUA, Donald Trump

Cada acusação contra Donald Trump é histórica, mas a mais recente – em que é acusado de conspirar contra o Estado – retrata um ex-presidente tão determinado em permanecer no poder que é capaz de pôr em risco os alicerces da democracia norte-americana.

Na terça-feira, Donald Trump foi indiciado pelas tentativas de inverter o resultado das eleições presidenciais de 2020, a mais grave acusação contra o ex-presidente, que já enfrenta dois processos criminais.

Na sequência, ivestigadores nos campos da história e dos estudos judiciais dizem que a nova acusação apresentada pelo procurador especial federal Jack Smith é mais consequente do que as anteriores.

Na acusação de 45 páginas divulgada esta terça-feira, Donald Trump é descrito como responsável por desenvolver um “projeto criminoso” para impedir uma transição pacífica do poder.

Para o historiador Jon Meacham, a acusação vem confirmar “um dos episódios mais negros” da história dos EUA, durante o qual o ex-presidente “colocou a sua própria ambição acima de tudo“.

“A Constituição vergou após a eleição de 2020. Não quebrou. Mas isso não significa que não quebre no futuro”, alertou o historiador à estação MSNBC, apontando os perigos para a democracia norte-americana.

De acordo com a acusação, se por um lado o magnata de 77 anos tinha o direito de contestar ruidosamente a sua derrota nas presidenciais de 2020, Trump entrou na ilegalidade ao conspirar com outros – não indicados – para reverter o resultado do escrutínio conquistado pelo democrata Joe Biden.

Trump espalhou mentiras conscientemente, para “criar um clima nacional de desconfiança e raiva e minar a confiança do público nos responsáveis pelas eleições”, acrescenta a acusação.

Após uma investigação de meses, supervisionada pelo procurador especial Jack Smith, Trump é acusado de ter “pressionado autoridades em certos estados a ignorar o voto popular”.

O advogado de 54 anos, com uma barba cor de sal e pimenta, tal como o vê a agência AFP, disse que queria que Trump fosse julgado “sem demora”, para evitar que o ex-Presidente possa entrar numa nova corrida à Casa Branca, em 2024.

Em junho, Jack Smith tornou-se o primeiro procurador federal a apresentar acusações criminais contra um antigo Presidente dos Estados Unidos por alegada negligência no tratamento de documentos confidenciais da Casa Branca que Trump não tinha arquivado.

Pence “demasiado honesto”

Além disso, o magnata é acusado de estar por trás de um esquema que envolve “falsos eleitores” e de pressionar o vice-presidente Mike Pence a utilizar os seus poderes na certificação dos resultados para os alterar a seu favor; e ainda de ter explorado a invasão ao Capitólio a 6 de janeiro de 2021, para “denunciar falsas denúncias de fraude eleitoral”.

Esta quarta-feira, Mike Pence disse que Donald Trump estava rodeado de “advogados malucos”, que o aconselharam mal após a derrota nas eleições de 2020, dizendo-lhe o que queria ouvir.

A acusação de 45 páginas é sustentada, em parte, por notas de Pence sobre as suas conversas nos dias que antecederam o ataque ao Capitólio. Entre estas conversas registadas pelo ex-vice-presidente, numa chamada telefónica, a 1 de janeiro de 2021, Trump disse a Pence: “Você é honesto demais“. “Você sabe que eu acho que não tenho autoridade para mudar o resultado”, respondeu Pence.

Trump e os seus aliados terão tentado convencer Pence a rejeitar ou a não contar votos legítimos dos eleitores presidenciais durante a certificação marcada para 6 de janeiro de 2021, de acordo com a acusação.

O assalto ao Capitólio de 6 de janeiro de 2021 obrigou Pence a esconder-se enquanto alguns na multidão gritavam “Enforquem Mike Pence!”. O vice-presidente dos EUA frisou que o ataque ao Capitólio dos EUA foi “uma tragédia”, sublinhando que cumpriu o seu “dever” ao recusar-se a realizar os planos de Trump.

“Alguém que pede a outra pessoa para quebrar a Constituição nunca deve ser Presidente dos Estados Unidos novamente“, apontou.

“Acusações verdadeiramente históricas”

Estas são as acusações mais graves contra o ex-chefe de Estado, que já foi indiciado no caso da alegada gestão negligente dos documentos confidenciais da Casa Branca e de falsificar documentos comerciais num caso que envolveu a atriz pornográfica Stormy Daniels, com quem o ex-presidente teve um caso em 2006.

“As acusações contra Trump são verdadeiramente históricas” porque nenhum ex-presidente dos EUA foi “acusado de espalhar mentiras sobre uma eleição e tentar usar a autoridade do governo para reverter a vontade dos eleitores expressa numa eleição presidencial”, sublinhou, à agência France-Presse (AFP), Carl Tobias, professor de direito na Universidade de Richmond.

A acusação é “extremamente forte legalmente”, acrescentou, considerando que “explica de forma clara e abrangente as leis e os factos que mostram como Trump estava ciente das suas mentiras”.

Para Richard Hasen, professor de direito da Universidade da Califórnia em Los Angeles, “não é exagero dizer que a forma como estes processos são conduzidos” terão impacto no rumo que a democracia norte-americana tomará após 2024.

“Esta é talvez a acusação mais significativa já emitida para proteger a democracia americana e o Estado de direito em qualquer tribunal americano contra qualquer pessoa”, frisou este professor na revista Slate.com.

Trump continua a denunciar uma caça às bruxas destinada a atrapalhar a sua candidatura em 2024, mantendo, contra todas as evidências, que a eleição de 2020 lhe foi roubada.

ZAP // Lusa

Siga o ZAP no Whatsapp

1 Comment

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.