Vigília em solidariedade com as vítimas realizou-se no Porto. Comissão continua a receber denúncias.
Cerca de 100 pessoas concentraram-se diante da Torre dos Clérigos, no Porto, numa vigília contra os abusos sexuais na igreja.
Sofia Thenaisie, porta-voz do grupo, assegurou que ninguém ficou indiferente ao relatório da comissão independente.
“Como cristãos não ficámos indiferentes ao que foi revelado no relatório sobre os abusos sexuais e quisemos manifestar por um lado, o nosso pedido de perdão às vítimas, porque nos sentimos parte de um todo, de uma igreja que é feita de leigos e de consagrados e, ao mesmo tempo, dar sinal à igreja de que não está sozinha neste caminho, que queremos um caminho novo, que não queremos que isto volte a acontecer, que não queremos a ocultação de situações, [mas] um caminho diferente”, disse.
A comissão independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht iniciou a recolha de testemunhos de vítimas em 11 de janeiro de 2022, tendo validado 512 denúncias das 564 recebidas, o que permitiu a extrapolação para a existência de um número mínimo de 4.815 vítimas nos últimos 72 anos.
Na vigília que durou uma hora e onde estiveram desde crianças a idosos e que terminou com um Pai Nosso, segundo a porta-voz, “estiveram vários padres” explicando que a ausência do Bispo do Porto ficou a dever-se ao facto de hoje ser Quarta-feira de Cinzas, e D. Manuel Linda, àquela hora, estar na Sé Catedral na “imposição de cinzas”.
Sobre o simbolismo de a vigília decorrer junto à Torre dos Clérigos, Sofia Thenaisie disse que foi por ser “a igreja central no Porto” e que gostavam que “fosse uma igreja que não pertencesse a uma só paróquia, uma igreja que congregasse todas as paróquias do Porto e também todos os carismas, porque dentro da igreja há várias ordens e sensibilidades e queriam que fosse um espaço que fosse isento”.
“Acredito que a igreja não ficou fragilizada [com as conclusões do relatório]. Acho que foi um ato de coragem fazer esta investigação. Realmente muitas coisas não se sabiam, algumas saber-se-iam, mas muitas delas não se sabiam”, refletiu a também signatária do evento que reuniu cerca de 50 assinaturas em torno do compromisso de “não deixar que o silêncio volte a imperar”, lia-se no documento distribuído no final da cerimónia.
Voltando às conclusão do relatório, considerou que “foi maior do que aquilo que se imaginaria, mas “ainda bem que foi feito” porque isso é que permite que se passem a “uma nova fase”.
“Não pode haver mais ocultação, mais silêncio sobre estas situações”, concluiu.
A Conferência Episcopal Portuguesa vai tomar posição sobre o relatório, de quase 500 páginas, numa Assembleia Plenária agendada para 03 de março, em Fátima.
15 inquéritos
O Ministério Público abriu 15 inquéritos na sequência das 25 participações remetidas pela comissão independente que estudou os abusos sexuais na igreja católica, confirmou a Procuradoria-Geral da República (PGR), que também recebeu quatro denúncias do Patriarcado de Lisboa.
“Todas as participações recebidas na PGR foram remetidas às competentes estruturas do Ministério Público. Em duas situações, sendo a informação demasiado vaga, foram solicitados elementos complementares à Comissão Independente, estando a aguardar-se resposta. Nas restantes, foram instaurados os competentes inquéritos. Ao todo, foram instaurados 15 inquéritos, sendo que alguns inquéritos concentram mais do que uma participação”, lê-se na resposta da PGR hoje enviada à Lusa.
Ainda segundo a PGR, o MP recebeu quatro denúncias da Comissão de Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis do Patriarcado de Lisboa, que deram origem a sete inquéritos.
“A Comissão de Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis do Patriarcado de Lisboa entregou na Procuradoria-Geral da República quatro denúncias – três, uma das quais envolvendo vários nomes, num primeiro momento e uma quarta, mais recentemente – relativas a eventuais abusos sexuais de crianças por parte de membros da igreja e de outras pessoas a ela ligadas. Estas denúncias foram remetidas às competentes estruturas do Ministério Público, onde foram instaurados sete inquéritos”, explicou a PGR à Lusa.
A PGR acrescenta que, “dos [sete] inquéritos instaurados, dois encontram-se em investigação e cinco conheceram despacho final de arquivamento”.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica recebeu 512 testemunhos validados, o que permitiu a extrapolação de, pelo menos, 4.815 vítimas desde que iniciou funções em janeiro de 2022, segundo o relatório final da entidade.
Comissão ainda recebe queixas
Essa comissão já não está em acção. Deixou de disponibilizar o inquérito há mais de uma semana, no dia 13 de Fevereiro. Mas continua a receber denúncias, noticia o jornal Público.
Por isso, o psiquiatra Daniel Sampaio apelou a outro método de recepção destas queixas: “É urgente que o Governo ou a Igreja abram uma nova linha para que as pessoas possam testemunhar”.
A comissão já esperava a continuidade das denúncias. “Na rua, ao telemóvel que funcionou para a comissão, até para os locais e emails de trabalho dos ex-membros da comissão têm chegado testemunhos no pós-relatório”, acrescentou Pedro Strecht, que era coordenador da comissão.
Poderá surgir em breve uma nova comissão com psicólogos, assistentes sociais, terapeutas familiares, psiquiatras, juristas e sociólogos.
“ZAP” // Lusa