Há vinte e sete anos atrás, na Universidade de Genebra, Michel Mayor e Didier Queloz – agora professor na ETH Zurique – descobriram o primeiro exoplaneta em órbita de uma estrela parecida com o Sol.
Muito aconteceu desde essa descoberta inicial: os astrónomos já identificaram mais de 5000 exoplanetas, muitos de tamanho semelhante ao da Terra, em mais de 3700 sistemas planetários diferentes.
Com apenas uma minúscula porção do Universo analisada até agora, parece certamente plausível sugerir que poderá existir vida noutros planetas para lá do nosso Sistema Solar.
No entanto, como qualquer cientista dirá, uma hipótese plausível não é o mesmo que evidências. Isto levou muitos investigadores a perguntarem-se como podemos ser capazes de demonstrar a existência de vida para lá do nosso Sistema Solar.
Uma abordagem promissora é a análise da atmosfera dos exoplanetas. Ao estudar linhas de absorção no espectro ótico de uma estrela hospedeira, os cientistas podem determinar que moléculas estão presentes na atmosfera de um exoplaneta, pelo menos no caso de planetas maiores.
Para além da caça aos sinais de metano, dióxido de carbono, oxigénio ou vapor de água, estão também interessados em identificar as combinações em que estas substâncias ocorrem.
“Tanto o metano como o oxigénio estão presentes na atmosfera da Terra”, diz Sascha Quanz, professor de Exoplanetas e Habitabilidade na ETH Zurique.
“Este é um desequilíbrio químico que não existiria sem organismos vivos“. Por outras palavras, a vida deve ter causado este desequilíbrio. A descoberta de tal desequilíbrio na atmosfera de um exoplaneta semelhante à Terra seria um forte indicador da presença de vida.
O ideal seria, naturalmente, que pudéssemos capturar imagens diretas de exoplanetas em vez de os observarmos indiretamente à medida que passam em frente da sua estrela hospedeira.
No entanto, isto é mais fácil de dizer do que de fazer, porque os exoplanetas estão quase completamente escondidos pelo brilho das suas estrelas-mãe.
Para enfrentar este problema, Quanz juntou-se a outros investigadores para desenvolver um instrumento para o ELT (Extremely Large Telescope).
A construção do ELT, no deserto chileno do Atacama, está atualmente em curso e, uma vez operacional, o espelho de 39 metros do telescópio irá aumentar em muito a capacidade dos astrónomos de espreitarem mais profundamente no espaço.
“Com o ELT, seremos então capazes de, pela primeira vez, capturar imagens diretas de um planeta semelhante à Terra em órbita de uma estrela próxima, porque este novo instrumento irá bloquear a luz dessa estrela“, diz Quanz.
Surpresa após surpresa
Mas para onde devem os investigadores orientar a procura da vida? E que sinais devem eles procurar?
Algumas pistas podem ser encontradas em modelos físicos, tais como os desenvolvidos por Judit Szulágyi, professora assistente de Astrofísica Computacional, e pelo seu grupo.
Estes modelos podem ser utilizados para reconstruir a forma como os planetas se formam ao longo do tempo a partir do disco protoplanetário inicial de gás e poeira que gira em torno de uma estrela recém-formada e também ajudam a determinar quais os objetos que merecem uma inspeção mais atenta através de um telescópio.
Szulágyi constrói modelos que têm em conta toda uma série de fatores, incluindo forças gravitacionais, magnetismo, o movimento do gás e a forma como a luz estelar interage com o material do disco.
Ao calcular inúmeras combinações diferentes destes parâmetros, podemos ter alguma ideia da diversidade de mundos planetários que podem existir no Universo.
No entanto, a experiência mostra repetidamente que a natureza tem frequentemente mais na manga do que os modelos preveem.
Por exemplo, os primeiros exoplanetas apanharam de surpresa a comunidade científica porque os astrónomos nunca tinham suspeitado que planetas gigantes do tamanho de Júpiter pudessem orbitar tão perto da sua estrela hospedeira.
Os investigadores ficaram igualmente intrigados com a existência das chamadas super-Terras, que são rochosas como a Terra, mas cerca de uma vez e meia maiores.
Szulágyi reconhece que os seus modelos se revelam regularmente imprecisos e exigem novos cálculos, no entanto ela permanece otimista: “Empurra-nos constantemente a repensar as nossas ideias sobre o modo como os planetas se formam”.
Uma das questões-chave que Szulágyi espera responder com os seus modelos diz respeito à origem da água. “A vida na Terra requer água”, diz. “Daí o nosso interesse em lugares que mostram evidências de água”.
Tais corpos podem mesmo ser encontrados no nosso próprio Sistema Solar, e os astrónomos estão interessados em saber mais sobre eles nos próximos anos.
Incluem a lua de Júpiter, Europa, que provavelmente hospeda um oceano sob a sua espessa crosta gelada, e a lua de Saturno, Encélado, onde os cientistas observaram fontes de partículas de gelo em erupção a partir da superfície.
Mundos totalmente diferentes
A geologia também pode fornecer pistas úteis para a composição de mundos alienígenas noutros sistemas planetários.
Paolo Sossi, professor assistente de Planetologia Experimental, investiga os minerais, líquidos e gases exóticos que compõem o interior e a atmosfera de outros planetas.
“Simulamos uma vasta gama de condições nas nossas experiências”, diz. “Ajudam-nos a construir uma imagem do que está a acontecer na superfície de um planeta e do que se passa no seu interior”.
O nosso conhecimento da composição química de outros planetas é ainda incompleto, o que torna a tarefa de Sossi mais desafiante.
“A análise do espectro ótico da estrela hospedeira dá-nos uma ideia inicial da composição química de um planeta“, disse Sossi. “Isso fornece a base para compreender que elementos estão presentes e em que quantidade”.
Ao combinar informação sobre a massa e o diâmetro dos vários planetas com os resultados dos modelos, os cientistas podem então deduzir como os diferentes elementos estão distribuídos pelo sistema planetário em torno da estrela.
O nosso próprio Sistema Solar é uma referência útil, porque 60 a 70 por cento de todos os sistemas estelares estudados até agora têm uma composição química semelhante.
Sossi está, portanto, a utilizar modelos numéricos para tentar compreender melhor como a Terra e os seus planetas vizinhos foram formados. Isto dá-lhe a informação de que necessita para reconstruir as massas, o número e a distribuição dos planetas em torno de outras estrelas.
No entanto, há também estrelas que têm uma composição química totalmente diferente da do nosso Sol.
Por exemplo, uma estrela pode conter mais carbono e menos oxigénio, o que pode significar que os planetas que a orbitam são compostos de minerais diferentes dos da nossa Terra.
“Os minerais predominantes em tais planetas ricos em carbono podem ser carboneto de silício e carboneto de titânio, ou mesmo diamantes”, diz Sossi. Isto, por sua vez, teria um impacto na atmosfera do planeta – por exemplo, a chuva em tal planeta poderia consistir de gotas de grafite em vez de água.
Uma visão a longo prazo
Em última análise, o sucesso da nossa busca por vida extraterrestre depende de uma combinação de diferentes fatores. Observações telescópicas, experiências de laboratório e modelos numéricos são, sem dúvida, elementos chave em qualquer programa de investigação.
Mas vamos precisar também de algoritmos inteligentes que possam recolher o máximo de informação científica possível a partir de grandes quantidades de dados, bem como de instrumentos que forneçam os dados precisos de que os investigadores necessitam.
“O desenvolvimento de instrumentos é uma prioridade máxima para investigadores planetários como eu”, diz Quanz. “Nós, investigadores, precisamos de compreender como os instrumentos funcionam, a fim de saber que tipo de informação podemos obter com eles”.
Uma perspetiva a longo prazo é também essencial, razão pela qual Quanz já está a pensar um passo à frente. Está encarregue de uma iniciativa internacional que visa fazer grandes progressos na procura por vida extraterrestre. Isto faz parte de uma das grandes missões científicas que a ESA quer lançar entre 2035 e 2050.
“Estamos a atingir o limite do que podemos alcançar com telescópios terrestres, porque todas as moléculas que procuramos também aparecem na atmosfera terrestre e a temperatura da Terra é semelhante à dos exoplanetas que nos interessam”, diz.
“Se quisermos escapar ao tremendo ruído de fundo criado pela Terra, temos de ir para o espaço. Pode ser a única forma de detetar vestígios de vida nas atmosferas dos exoplanetas”.
Infelizmente, porém, não há forma de instalar telescópios no espaço que sejam tão grandes como os do Deserto do Atacama.
Quanz e colegas propuseram assim um projeto ousado, conhecido como LIFE (Large Interferometer for Exoplanets). A ideia é posicionar mais quatro pequenos telescópios no segundo Ponto de Lagrange, que é onde o Telescópio Espacial James Webb obteve as espetaculares imagens que recentemente impressionaram o mundo.
“Ao combinar sinais de medição de vários telescópios pequenos, podemos alcançar uma resolução semelhante à de um único e maior telescópio!”, diz Quanz. “Isto permitir-nos-á, pela primeira vez, observar diretamente e caracterizar quimicamente dezenas de planetas semelhantes à Terra”.
Antes que isto possa acontecer, os cientistas terão de resolver toda uma série de desafios técnicos: os telescópios têm de voar numa formação muito precisa que muda de cada vez que um novo sistema planetário é observado; os sinais de medição dos satélites individuais têm de ser sincronizados com uma precisão tremenda; e os telescópios têm de ser equipados com sensores extremamente sensíveis concebidos para captar a pouca luz que emana do planeta.
Igualmente crítica é a questão de como os satélites serão alimentados, uma vez que o seu reposicionamento requer quantidades substanciais de combustível.
Tudo isto é tecnicamente viável, diz Quanz, embora exija um grande esforço não só por parte dos cientistas, mas também a nível de política de investigação. “Em última análise, é uma questão de prioridades”, diz.
“Pela primeira vez, temos a oportunidade de oferecer uma resposta empírica à questão da vida extraterrestre. Essa resposta transformaria fundamentalmente a nossa visão do mundo – não é uma oportunidade que devamos perder”.
// CCVAlg