Viktor Bout foi libertado numa troca de prisioneiros que envolveu também a jogadora de basquetebol Brittney Griner. Por que ele é tão importante para Moscovo?
Em meados de fevereiro, pouco antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, a campeã olímpica de basquetebol Brittney Griner foi detida no aeroporto internacional de Moscovo depois de cartuchos com óleo de haxixe terem sido encontrados na sua bagagem.
Em agosto, foi condenada a nove anos de prisão. Na última sexta-feira (09/12), desembarcou nos Estados Unidos após ter sido libertada como parte de uma troca de prisioneiros entre Moscovo e Washington.
Pela liberdade de Griner, os Estados Unidos concordaram em soltar o cidadão russo Viktor Bout, que cumpria uma pena de 25 anos de prisão numa prisão federal “por conspirar para assassinar cidadãos americanos e ajudar organizações terroristas”.
Mercador de armas na era pós-soviética
Ao longo de décadas, Bout ganhou fama como uma figura misteriosa e já foi chamado de “mercador da morte“, servindo de inspiração para realizadores de cinema de Hollywood, como no filme O senhor das armas, protagonizado por Nicolas Cage.
Viktor Bout nasceu em Duchambé, a capital do que era então, em 1967, a República Soviética do Tajiquistão. Ele é um ex-oficial que serviu nas Forças Armadas da União Soviética.
Nos anos 1990 e no início dos anos 2000, após o colapso da União Soviética, tinha o que dizia ser uma empresa de transportes aéreos, entregando mercadorias para regiões perigosas do mundo. Na verdade, traficava armas de fabrico soviético.
Foi nesta altura que Bout chamou a atenção das Nações Unidas, que começou a investigar se ele estava envolvido no comércio ilegal de armas, desrespeitando embargos da ONU e colaborando com assassinatos em massa e crimes de guerra em países africanos, como Angola, Ruanda, Serra Leoa e Congo.
Bout também despertou o interesse das autoridades dos Estados Unidos, no início dos anos 2000, depois de relatos na imprensa de que teria ajudado militarmente os talibãs e a Al-Qaeda. Bout nega qualquer envolvimento e afirma ter fornecido armas para grupos que lutavam contra o talibãs.
Em 2002, as autoridades belgas emitiram um mandado de prisão, mas Bout conseguiu deixar o país e encontrou refúgio nos Emirados Árabes Unidos, na África do Sul e, por fim, na Rússia.
As autoridades dos Estados Unidos também estiveram no seu encalço. Apesar de terem conseguido congelar os seus bens em 2004, não conseguiram encontrar uma base jurídica para o levarem a julgamento.
Envolvimento com as Farc
Quatro anos depois, em 2008, agentes da Drug Enforcement Administration (DEA), órgão federal de combates às drogas dos Estados Unidos, contataram Bout através dos seus antigos parceiros. Os agentes apresentaram-se como compradores que trabalhavam para as Farc, uma guerrilha esquerdista da Colômbia.
Em março de 2008, Bout foi detido na Tailândia, quando agentes americanos que se passaram por guerrilheiros conseguiram envolvê-lo em negociações para o embarque de armas para as Farc. Bout foi extraditado para os Estados Unidos em novembro de 2010, tendo sido condenado a 25 anos de prisão em 2012 por conspirar para assassinar cidadãos e agentes americanos.
Bout foi considerado culpado, pela justiça dos Estados Unidos, de vender armas para as Farc, classificadas pelos Estados Unidos como uma organização terrorista.
Na época, o ministro russo do Exterior, Serguei Lavrov, criticou a prisão e extradição de Bout, afirmando que elas eram parte da pressão política do governo dos Estados Unidos sobre a Tailândia e “um exemplo de flagrante injustiça“. O governo russo prometeu lutar pela libertação de Bout e pelo retorno dele para a Rússia.
Por que é que a Rússia queria libertar Bout?
Muitos especialistas afirmam que Bout era útil para os serviços secretos da Rússia. Ele mesmo, porém, nega qualquer ligação com o governo russo ou acesso a segredos de estado.
“Eu não tenho informações secretas sobre o Estado russo, e não conheço os seus líderes. Não trabalhei nem para empresas russas nem para agências estatais”, afirmou em entrevista.
Ao longo da década passada, autoridades e a imprensa russas aventaram uma troca de Bout por prisioneiros dos Estados Unidos na Rússia.
A especialista em relações EUA-Rússia Alexandra Filippenko argumenta que a importância de Bout para o governo do presidente Vladimir Putin se deve a uma mentalidade de Guerra Fria, ancorada numa época em que uma forte rivalidade opunha Estados Unidos e Rússia.
“Na visão de muitas pessoas, tanto americanas como russas, Bout é uma parte e também personificação do sistema soviético. Ele não reconhece a nova ordem mundial. Por isso é que ele é tão importante para o país”, diz Filippenko. “Ele é um insider, e, na tradição russa, não se abandona pessoas que servem o sistema.”
Alguém levou a melhor nessa troca de prisioneiros?
Muitos especialistas afirmam que a troca foi uma vitória diplomática para Moscovo, já que a magnitude dos crimes cometidos por Bout e Griner é completamente diferente. Filippenko, porém, diz que a troca foi equivalente.
Ela argumenta que Bout já cumpriu metade da sentença e que, se os serviços secretos dos Estados Unidos queriam alguma informação dele, tiveram tempo de sobra para o interrogarem.
E Griner é uma típica all-american girl, uma estrela do Texas que representa a comunidade LGBTQ+. Diante da nova legislação sobre propaganda gay aprovada na Rússia, a sua libertação é uma grande vitória para a administração do presidente Joe Biden, diz a especialista.
A opção por Griner, porém, alimentou o debate sobre o destino do americano Paul Whelan, um antigo fuzileiro naval dos Estados Unidos que está a cumprir uma pena de 16 anos de prisão por espionagem na Rússia. As autoridades americanas afirmam que a detenção dele é injusta e que o caso tem motivações políticas.
O advogado de Whelan declarou esta semana à agência de notícias russa Interfax que as negociações para a libertação continuam, algo que não foi desmentido pelas autoridades russas.
ZAP // DW