Imagine que encontra uma oferta de emprego que parece ideal para as suas habilitações, mas não se pode candidatar porque o cargo exige um diploma universitário que não tem.
Nos EUA, costuma-se dizer que as pessoas que passaram por este tipo de experiência foram barradas pelo chamado “teto de papel“.
É como recentemente começou a ser chamada a situação dos profissionais que não conseguem atingir um cargo para o qual têm capacidade, mas não o diploma universitário exigido.
Esta limitação é muito difundida no mercado de trabalho e afeta mais de 70 milhões de pessoas nos Estados Unidos, segundo as estimativas da ONG Opportunity at Work, que lançou em 2022 uma campanha conjunta com outras instituições para promover consciencialização sobre o problema.
Os profissionais que sofrem com o “teto de papel” são os chamados trabalhadores “formados por meios alternativos” (STARs, na sigla em inglês).
Estes trabalhadores adquiriram os seus conhecimentos e habilidades diretamente no trabalho, por meio de cursos ou programas de formação não académicos, durante o serviço militar ou por outros caminhos que não envolvem a obtenção de um diploma universitário.
Segundo a Opportunity at Work, os STARs representam mais de 50% da força de trabalho dos Estados Unidos, incluindo 61% dos cidadãos afro-americanos e 55% das pessoas de origem hispânica. De facto, o número de profissionais sem diploma universitário, de forma geral, é ainda maior entre as minorias do que a média do país.
62% dos maiores de 25 anos não têm diploma universitário, mas essa percentagem sobe para 72% entre os cidadãos afro-americanos e 79% entre os de origem latina.
Mas quais são os efeitos concretos do “teto de papel” sobre a vida profissional?
Sem aumentos salariais ou promoções
A entrada dos profissionais sem formação universitária nos Estados Unidos tem caído progressivamente ao longo das últimas décadas.
A diferença salarial entre as pessoas que possuem ou não grau universitário duplicou nos últimos 40 anos, segundo a Opportunity at Work. A organização afirma que, ajustando-se os salários à inflação, os STARs ganham hoje menos do que em 1976.
E o “teto de papel” é uma das razões, já que, na prática, o que ocorre é que os trabalhadores que não entraram na universidade enfrentam dificuldades tanto para atingir níveis de gerência nas empresas onde trabalham, quanto para conseguir trabalhos com melhor remuneração noutras empresas.
E esta última possibilidade ficou ainda mais reduzida depois de as empresas começarem a recorrer a programas de inteligência artificial para os seus processos de recrutamento e seleção de pessoal.
Estes programas tendem a usar o diploma universitário como filtro e podem até favorecer candidatos vindos de certas universidades específicas, bem como experiências profissionais anteriores que exigiriam o diploma.
“O facto de que os algoritmos são tendenciosos não é necessariamente culpa sua. Esses algoritmos são treinados por seres humanos a partir do histórico. E, infelizmente, o nosso mercado de trabalho historicamente usou a exigência de diplomas como sinónimo de capacidade“, afirma Shad Ahmed, diretor de operações da Opportunity at Work, ao programa de rádio Marketplace, da emissora pública americana NPR.
A exigência cada vez maior de diplomas universitários para acesso a certos postos de trabalho faz parte de um fenómeno chamado “inflação de diplomas“, segundo um estudo elaborado pela Faculdade de Negócios da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, pela empresa de consultoria Accenture e pela organização Grads of Life.
O estudo relata que “a crescente exigência de diplomas universitários de quatro anos para empregos que antes não exigiam formação é um fenómeno importante e generalizado, que está a tornar o mercado de trabalho americano menos eficiente”.
“As ofertas de emprego que eram tradicionalmente consideradas trabalhos de habilidade intermediária (que necessitavam que os profissionais tivessem um diploma superior ao ensino básico, mas não o grau universitário) nos Estados Unidos agora estabelecem, como exigência mínima de educação, um diploma universitário, algo que somente um terço da população adulta tem como credencial”, afirma o relatório do estudo.
Esta situação agravou-se porque, entre 2012 e 2019, 69% dos novos empregos criados nos Estados Unidos correspondem a ocupações que exigem licenciatura ou bacharelado.
Efeitos negativos na economia
Não são só os profissionais sem diploma que sofrem com o “teto de papel”. As empresas e a economia como um todo também são afetadas, especialmente neste momento em que, paradoxalmente, os Estados Unidos atravessam uma crise de falta de profissionais.
Existem no país 10,3 milhões de vagas de emprego em aberto e apenas cerca de 6 milhões de pessoas desempregadas, segundo os números mais recentes.
Esta falta de trabalhadores obrigou as empresas a aumentar os salários oferecidos para recrutar e manter o seu pessoal, num momento em que a economia americana sofre os níveis de inflação mais altos em mais de três décadas.
“Enquanto as empresas se esforçam para encontrar talentos no meio da perceção de uma ‘falta de capacidades’ e ‘escassez de mão de obra’, muitas das ofertas de trabalho excluíram sem necessidade a metade dos profissionais do país que não tem diploma, mas que tem as capacidades para conseguir um trabalho com maior remuneração”, destaca Byron Auguste, diretor-executivo da Opportunity at Work, em declaração à imprensa em junho de 2022.
De qualquer forma, o problema do “teto de papel” antecede à conjuntura económica pós-pandemia.
O estudo da Faculdade de Negócios de Harvard publicado em 2017 já advertia que a prática de exigir grau universitário quando antes não era necessário “impede que as empresas encontrem os talentos de que precisam para crescer e prosperar e dificulta que os americanos tenham acesso a trabalhos que proporcionem a base para um nível de vida digno”.
Nos últimos meses, uma coligação formada por cerca de 50 organizações – incluindo empresas como a Chevron, Accenture, Google, IBM, LinkedIn, Comcast e Walmart – idealizou uma campanha para criar consciência sobre o “teto de papel” nos Estados Unidos e incentivar os empregadores a descartar esta prática.
Algumas dessas empresas já têm reduzino as suas exigências de nível universitário. É o caso, por exemplo, da Accenture, que exige diploma para apenas 26% dos seus postos de trabalho. E, na IBM, essa exigência atinge 29% dos cargos.
ZAP // BBC
Não deverá ser antes o «Teto do Papel«? É que «Teto de Papel» não tem muito sentido porque aponta para termos um teto de papel sobre a nossa cabeça. Em português corrente utiliza-se muitas vezes a frase «ter o papel» para significar ter um diploma.