Memórias embaraçosas desencadeiam sentimentos de vergonha recorrentes. Mas por quê?

A todos já nos aconteceu: estamos a realizar alguma tarefa e, de repente, lembramo-nos de alguma situação constrangedora pela qual passámos ou que nos causou embaraço. Nesse momento, voltamos a sentir vergonha. Mas por que ainda nos sentimos tão envergonhados devido a algo do passado?

Segundo relatou o Science Alert, o pensamento atual indica que existem duas maneiras pelas quais nos lembramos de experiências do passado.

Uma maneira é intencional e voluntária e é involuntária e espontânea, segundo um artigo do psicólogo David John Hallford, da Universidade Deakin, publicado no Science Alert.

Se nos tentarmos lembrar do que fizemos no trabalho no dia anterior ou o que almoçamos no último sábado, trata-se de um processo deliberado, durante o qual procuramos a memória em nossas mentes – trata-se, assim, de uma memória intencional e voluntária.

No caso de memórias que surgem de repente e podem ser indesejadas ou intrusivas, já se trata da segunda opção – uma memória involuntária e espontânea.

Parte da resposta está em como as memórias estão conectadas umas às outras. O entendimento atual é que as nossas experiências passadas são representadas nos neurónios. Estes desenvolvem conexões físicas uns com os outros, através da sobreposição de informações nessas representações.

Por exemplo, as memórias podem partilhar um tipo de contexto (diferentes praias em que estivemos, restaurantes em que comemos), ocorrer em períodos semelhantes da vida (infância, juventude ou fase adulta) ou ter sobreposição emocional e temática (situações em que demonstrou amor ou nas quais discutiu com alguém).

A ativação inicial de uma memória pode ser desencadeada por um estímulo externo (visões, sons, sabores, cheiros) ou um estímulo interno (pensamentos, sentimentos, sensações físicas). Uma vez que os neurónios que contêm essas memórias são ativados, as memórias associadas são mais propensas a serem lembradas.

Um exemplo pode ser passar por uma padaria, sentir o cheiro de pão fresco e ter um pensamento espontâneo do último fim de semana no qual preparou uma refeição para um amigo. Nem toda ativação levará a uma memória consciente e, às vezes, as associações entre as memórias podem não ser totalmente claras.

Por que as memórias nos fazem sentir?

Quando as memórias vêm à mente, muitas vezes experimentamos respostas emocionais. Na verdade, as memórias involuntárias tendem a ser mais negativas do que as memórias voluntárias. As memórias negativas também tendem a ter um tom emocional mais forte do que as memórias positivas.

Os humanos são mais motivados a evitar resultados ruins, situações ruins e definições ruins de si próprios do que buscar por bons resultados. Isso provavelmente se deve à necessidade de sobrevivência no mundo: física, mental e social.

Assim sendo, memórias involuntárias podem nos fazer sentir tristes, ansiosos e envergonhados. Por exemplo, uma memória que envolva constrangimento ou vergonha pode indicar que fizemos algo que outros podem achar desagradável ou negativo, ou de alguma forma que violamos as normas sociais.

Com essas memórias e consequentes respostas emocionais podemos aprender a gerir situações futuras. Contudo, essas associações negativas podem afligir algumas pessoas de uma forma mais intensa, causando-lhes muita angústia, dependendo do que seu estado de espírito ou do momento que atravessa.

Se nos sentimos tristes, é mais provável que nos lembremos de memórias relacionadas a deceções, perda ou vergonha. Quando nos sentimos ansiosos ou mal connosco, é mais provável nos tenhamos lembrado de momentos em que nos sentimos assustados ou inseguros.

Em alguns casos de distúrbio mental, como a depressão, as pessoas lembram com mais frequência memórias que evocam sentimentos negativos, que lhes despertam sentimentos de vergonha ou tristeza. Ou seja, sentimentos tornam-se em factos.

Outro cenário no caso de pessoas com transtornos de saúde mental é a ruminação mental. Quando ruminamos, pensamos repetidamente em experiências negativas e como nos sentimos. A função da ruminação é tentar “desvendar” o que aconteceu e aprender ou resolver problemas para que essas experiências não voltem a acontecer.

Podemos parar os sentimentos negativos?

A boa notícia é que as memórias são muito adaptáveis. Quando evocamos uma memória, podemos elaborá-la e mudar os nossos pensamentos, sentimentos e avaliações de experiências passadas.

Num processo terapêutico conhecido como “reconsolidação”, mudanças podem ser feitas para que a próxima vez que essa memória venha à tona seja diferente do que era antes e tenha um tom emocional alterado.

Por exemplo, podemos nos lembrar de um momento em que nos sentimos ansiosos com um teste ou uma entrevista de emprego que não correu tão bem e nos sentimos tristes ou envergonhados.

Refletir, elaborar e reformular essa memória pode passar por lembrar de aspetos que correram bem, integrá-los à ideia de que se tratava de um desafio e lembrar a si mesmo que não há problema em se sentir ansioso ou desapontado perante a dificuldade e que isso não representa a pessoa que, de facto, é.

Quanto à ruminação, um dos truques passa por reconhecer quando está a acontecer e tentar desviar a atenção para uma tarefa (por exemplo, fazer algo com as mãos ou focar em imagens ou sons). No geral, embora o nosso cérebro nos traga lembranças das nossas experiências, não precisamos ficar presos ao passado.

ZAP //

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