Uma misteriosa doença que afetava jovens mulheres desapareceu repentinamente — e sem grande explicação — durante o século XX.
No século XVII, Jan Steen e outros pintores holandeses, como Gabriel Metsu e Samuel van Hoogstraten, documentaram uma curiosa epidemia de “mal de amor” nos Países Baixos. E não foram os únicos.
Nessa e noutras épocas, também escritores, poetas e dramaturgos debruçaram-se — mais até do que médicos — sobre a doença. O motivo talvez esteja no perfil das vítimas: eram na sua maioria meninas adolescentes ou jovens apáticas.
O médico alemão Johannes Lange llamó classificou o problema, em 1554, como Morbo virgineo ou “doença das virgens”.
Os sintomas eram variados e muitas vezes vagos: aparência “pálida, como se estivessem sem sangue”, aversão à comida (carne em particular), dificuldades em respirar, palpitações, mudanças de humor, fadiga, apatia e tornozelos inchados.
O remédio, segundo Lange, era “viver com homens e acasalar. Ao engravidar, recuperarão”.
A doença recebeu outros nomes, como febris amatoria ou “febre amorosa”, até que Jean Varandal, professor de Medicina em Montpellier, cunhou o termo “clorose” em 1619.
Clorose, da antiga palavra grega cloros, significa “amarelo esverdeado” ou “verde pálido”, que é, segundo relatos, a aparência da pele das jovens adoentadas — embora isso seja discutível, segundo especialistas modernos.
“Possivelmente muitos viram um verdor porque achavam que deveriam vê-lo”, avalia Irvine Loudon, da Universidade de Oxford, num artigo publicado no British Medical Journal.
O especialista acrescentou no artigo que o apelido de “doença verde” talvez se devesse ao facto de as mulheres serem metaforicamente verdes, ou seja, sem experiência ou maturidade.
O que se sabe é que o mal foi classificado como uma doença nervosa, e, para além de nomenclaturas, com o passar dos séculos foi agregando sintomas — em particular a ausência de menstruação (amenorreia) — e tratamentos, como sangria terapêutica, hidroterapia e ferroterapia.
Mas os “tratamentos” mais recomendados eram os que indicavam comportamentos “adequados para uma mulher”: o sexo no matrimonio e a conceção. E a educação era altamente contraindicada para as mulheres doentes.
Um enigma na história da medicina
A clorose crescia e diminuía sem uma explicação clara, e chamou a atenção em particular no início do século XIX.
Para se ter uma ideia, nos registos históricos da Enfermaria de Finsbury, em Londres, entre 20 de março e 20 de abril de 1800, o transtorno “clorose e amenorreia” era o segundo mais citado, depois de “problemas pulmonares sem febre”.
Na década de 1890, 16% dos internamentos no Hospital São Bartolomeu, em Londres, eram por essa causa.
Depois, sem que haja uma explicação clara, os registos da doença começaram a decair. No início do século XX, esses registos desapareceram, deixando perguntas: seria porque os sintomas foram atribuídos a um diagnóstico diferente? Ou porque o tratamento ficou mais eficiente ao focar a dieta das pacientes, em vez da sua virgindade? Ou por algum motivo o mal deixou de ser diagnosticado?
Há várias hipóteses que tentam explicar esse desaparecimento, geralmente mencionando melhoras na alimentação e nas condições de vida da população.
Houve médicos que relacionaram a doença à riqueza, sugerindo que os costumes sociais das mulheres mais abastadas, como usar corpetes justos e levar uma vida sedentária de pouca exposição à luz solar e ao exercício físico, causavam predisposição à clorose.
Outros defendiam que a doença era mais comum entre meninas com excesso de trabalho e mal alimentadas, que moravam em grandes áreas urbanas.
Há historiadores médicos que sustentavam que se tratava simplesmente de um tipo de anemia por falta de ferro. E também há quem afirme que era uma doença psicossocial, semelhante à anorexia nervosa.
No entanto, como comentou o hematologista pioneiro Leslie John Witts, em 1969, “fica a inquietante sensação de que o mistério da clorose, como o de Edwin Drood (romance de Charles Dickens), segue por resolver”.
Hoje em dia, o termo “clorose” continua a ser usado, mas para se referir a plantas que sofrem de deficiência de ferro — a doença manifesta-se como perda da coloração verde.
O termo “doença verde”, por sua vez, continua a ser usado em menção à anemia hipocrómica, em que glóbulos vermelhos têm menos coloração do que o normal quando analisados ao microscópio. A causa mais comum é a insuficiência de ferro no corpo, e os sintomas são parecidos aos da doença que, durante séculos, foi tratada como “coisa de mulheres nervosas”.
// BBC