Jerónimo diz que Avante é “festa da paz” — e hesita sobre a sua sucessão

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Tiago Petinga / Lusa

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, durante a abertura da 46.ª edição da Festa do Avante!.

O secretário-geral comunista convidou os críticos da realização da “Festa do Avante!”, por causa do posicionamento do partido face ao conflito na Ucrânia, a visitarem o certame político-cultural “com os olhos limpos de preconceito”.

“É preciso vir cá com os olhos limpos de preconceito”, respondeu Jerónimo de Sousa, depois de visitar duas exposições no Espaço Central da “Festa”.

O secretário-geral do PCP sustentou que uma visita à Quinta da Atalaia “pode levar à compreensão de alguns que olham” para os comunistas como “uma coisa que não é real”, ou seja, como sendo pró-guerra da Ucrânia e apiantes do regime russo de Vladimir Putin.

“Independentemente de possíveis reparos críticos”, acrescentou Jerónimo de Sousa, a “Festa do Avante!” não é o que pintam: “insisto nisto: é uma festa da paz, não é uma festa da guerra!”

A 46.ª edição do certame político-cultural do jornal comunista e também rentrée do partido vai realizar-se entre hoje e domingo na Quinta da Atalaia, no concelho do Seixal.

Na noite de hoje está previsto um concerto da Orquestra Sinfonietta de Lisboa para celebrar o centenário do nascimento do Nobel da Literatura português, José Saramago, e antigo militante comunista.

Último “Avante!”: Jerónimo hesita

Não é a primeira vez que lhe colocam este tipo de pergunta nos últimos anos, mas Jerónimo de Sousa hesitou ao responder aos jornalistas sobre se esta será a sua última “Festa do Avante!” enquanto líder.

O secretário-geral do PCP respondeu imediatamente que “como militante” vai continuar a vir depois de encontra um sucessor.

O jornalista insistiu na pergunta, conta o Público, e Jerónimo de Sousa “pausou por um momento, ficou pensativo, engasgou-se um pouco”, mas acabou por responder: “Um dia será”.

Embora tenha respondido dentro da mesma linha de resposta que normalmente dá, esta é a primeira vez que Jerónimo hesita perante este tipo de questão. A primeira vez em 18 anos à frente do partido.

Críticos? “Venham eles, a gente aguenta”

Militantes e apoiantes comunistas afastaram a polémica em torno da posição do PCP sobre o conflito na Ucrânia, com apelos à paz e fortes críticas aos EUA, dizendo-se “habituados” a “levar porrada” há mais de cem anos.

Poucos minutos depois da abertura de portas da Quinta da Atalaia, pelas 18:00, já Mário Cardoso, 57 anos, passeava pela festa acompanhado pela família, apetrechado de muitos ‘pins’ na sua boina e com duas tatuagens nos gémeos: uma do revolucionário marxista Che Guevara, outra com o símbolo do PCP marcado a vermelho.

Questionado sobre as críticas que têm sido dirigidas ao partido quanto à sua posição sobre o conflito na Ucrânia, Mário Cardoso respondeu sem hesitar: “É mais uma, já estamos habituados a isso, venham eles, a gente aguenta”.

Os apelos à paz foram ponto comum entre todos os participantes entrevistados, dos mais novos aos mais velhos, com José Brites, de 73 anos, alentejano e orgulhoso militante, a classificar o conflito como “uma guerra entre capitalistas”.

“A guerra é capitalista, os russos são capitalistas, os americanos são capitalistas e a Europa é capitalista, é uma guerra entre capitalistas, em que o povo da Ucrânia está a levar com os capitalistas todos em cima. A guerra só vai parar quando os nossos amigos americanos se sentarem à mesa e disserem que não há mais guerra amanhã”, argumentou.

Para o militante, neste conflito “não há bons nem maus” e o importante é apoiar as pessoas e não contribuir para o armamento dos países envolvidos.

Interrogado sobre se receia que a polémica gerada desde o início do conflito prejudique o partido a nível eleitoral, José Brites riu-se e disse em tom bem-humorado: “Já andamos cá há 101 anos, levámos tanta porrada no tempo do Salazar que já estamos habituados”.

Perto do local mais central do evento, o palco 25 de Abril – onde Jerónimo de Sousa irá discursar no último dia da ‘rentrée’ comunista – estão centenas de cadeiras separadas onde os participantes se podem sentar para assistir aos vários espetáculos e discursos. Este é um dos poucos ‘hábitos’ que ficou das restrições impostas pela pandemia da covid-19 nos últimos dois anos.

É numa dessas cadeiras que estava sentado Tomás Costa, 18 anos, de Coimbra, estudante de Filosofia e um estreante no certame político-cultural comunista. O jovem confessou que a polémica em torno da posição do PCP sobre o conflito na Ucrânia o levou a “reconsiderar várias vezes a militância” mas acabou por ficar e hoje concorda em absoluto com este posicionamento.

“E a posição do PCP, muito ao contrário do que se difunde, não é uma posição de pró guerra, é uma posição contra a guerra, pró paz mas também contra o ‘putinismo’ e contra qualquer tipo de militarização”, defendeu.

Já quanto a possíveis impactos eleitorais, o jovem reconheceu que o partido tem “sofrido um pouco” mas considerou que este pode ser “um preço a pagar pela coerência com os factos e as evidências”.

Também Adriana Carlos, 15 anos, que vem à festa “desde sempre” deixou apelos à paz e apontou “culpas dos dois lados”.

“Sei que há muita gente que está a crucificar o partido por causa disso mas não deviam estar a crucificar porque a Ucrânia também tem alguma culpa e os EUA têm ainda mais culpa porque foram eles que ao fim ao cabo andaram a incitar a Rússia com a NATO”, sustentou.

A opinião é partilhada não apenas entre apoiantes do partido comunista em Portugal mas também por paragens ibéricas.

Iria Aboi Ferradas, que vai celebrar o seu 40º aniversário este sábado no ambiente da festa, vem da Galiza para a Quinta da Atalaia em setembro “há mais de 20 anos” e defende que “com a violência, com as armas, com a guerra, não se pode construir a paz e aí a diplomacia é a primeira que tem que atuar”.

“Acho que todos os partidos democráticos, todos os partidos progressistas, estão do lado da população da Ucrânia porque é a que está a sofrer esta guerra (…). O papel dos EUA é o de sempre: é uma intervenção descarada dos EUA e da NATO e eu acho que já é a hora da NATO chegar ao seu fim”, afirmou.

ZAP // Lusa

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3 Comments

  1. O PCP fazer uma festa da paz é tão cómico como um grupo de canibais fazer um festival gastronómico vegan.
    Por mim, da mesma maneira que deixei de comprar produtos russos (olha, vodka, temos pena!), também não dou um tostão a quem apoia esse país bandido.
    Portanto, Festa do Avante!, adeusinho. Daqui não levam nem uma gota de água para lavar o sangue que vos mancha as mãos e a alma.

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