Tanto o Bloco de Esquerda como o Iniciativa Liberal querem que as suas propostas para legalizar o uso de canábis para fins recreativos sejam discutidas em detalhe antes de serem votadas.
O BE propôs hoje ao parlamento um “processo participado e inclusivo” que resulte numa “lei ponderada, rigorosa e eficaz” para a legalização da canábis para uso pessoal, considerando que pode avançar “com um amplo consenso” na atual legislatura.
Na abertura do debate potestativo do BE sobre o projeto de lei para legalização da canábis para consumo pessoal, para o qual a Iniciativa Liberal arrastou o seu diploma, o deputado bloquista Fabian Figueiredo pediu que se ouça quer o antigo Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, que dizia que é tempo de se perceber “que as drogas são infinitamente mais perigosas se deixadas nas mãos de criminosos que não têm qualquer preocupação com a saúde e com a segurança” quer o antigo Presidente da República Jorge Sampaio quando pede que se regule, “de maneira rigorosa, substâncias que hoje são ilegais”.
“O Bloco de Esquerda propõe que hoje se abra um processo participado e inclusivo, que dê lugar a uma lei ponderada, rigorosa e eficaz, que nos permita dizer daqui a 20 anos que demos um passo seguro, necessário e responsável na evolução da política de drogas, no qual o mundo se pode rever e com o qual poderá continuar a aprender. É este apelo que deixamos a todas as bancadas”, defendeu o bloquista.
O deputado bloquista começou por recordar que “há 20 anos, o parlamento teve a sensatez de aprovar medidas corajosas e inovadoras para enfrentar a toxicodependência, descriminalizando o consumo de drogas”, elogiando que esta solução adotada em Portugal “é hoje mundialmente estudada e elogiada por diversos Estados e instituições internacionais”.
“Mas, há 20 anos, ela não foi consensual na Assembleia da República. Não faltaram vozes a profetizar que nos transformaríamos num narcoestado. Um deputado da direita, Paulo Portas, exclamava à época ao jornal britânico The Times que aterrariam aviões cheios de estudantes no Algarve ‘para fumar marijuana e coisas piores, sabendo que não os colocaríamos na cadeia’”, lembrou, acrescentando que “sol, praia e droga”, na profecia de Paulo Portas “seria o novo mote do Turismo de Portugal”.
De acordo com Fabian Figueiredo, apesar da mudança de paradigma, “a política de drogas em Portugal continua incompleta e com uma contradição estrutural por resolver” já que “os consumidores deixaram de enfrentar processos-crime, mas o seu consumo continua dependente de um mercado ilegal, um enorme negócio que continua a ser entregue à criminalidade organizada”.
“O Bloco de Esquerda marcou o debate potestativo de hoje sobre a legalização da canábis para uso pessoal porque entendemos que é mais do que chegado o tempo de virarmos esta página. Muitos Estados seguiram o nosso pioneirismo de há 20 anos, apliquemos nós, agora, os melhores exemplos internacionais na legalização da canábis”.
Na perspetiva de Fabian Figueiredo, “esse avanço legislativo, sensato e prudente, pode ser feito com um amplo consenso parlamentar na presente legislatura”.
“Nos últimos anos, vários países legalizaram o uso de canábis para consumo pessoal, como é o caso do Canadá, do Uruguai e de vários Estados e territórios dos Estados Unidos da América. Devemos olhar e aprender com estes exemplos. A prática é sempre o critério da verdade”, apelou.
IL critica “paternalismo do Estado”
Já o Iniciativa Liberal diz ter apresentado a sua proposta para não deixar que a esquerda “se aproprie de certos temas”, esclarecendo que não o faz para “endossar” ou recomendar o consumo de drogas, mas antes em nome de uma visão “liberal” da sociedade.
No entanto, as diferenças para o projeto do BE são claras: “Não queremos passar de um modelo em que mandem os traficantes para um em que mande o Estado”, esclarece o deputado João Cotrim de Figueiredo, citado pelo Observador. E pede desde já que o projeto da IL baixe sem votação. “Terei todo o gosto de discutir em sede de especialidade formas de controlo” da lei, volta a garantir Cotrim.
Miguel Costa Matos, presidente da JS, deixa votos de que esta seja a “oportunidade” para “chegar a uma boa lei” e “desmistificar a legalização”.
O PAN, que já tinha apresentado propostas neste sentido mas propondo a venda só em farmácias, frisa pela voz da nova líder parlamentar, Bebiana Cunha, o “risco” de os consumidores ficarem obrigados a comprar as substâncias em mercados não regulados que até os podem levar, com mais facilidade, a consumir drogas com efeitos piores. O PEV diz que se vai “abster” se existir votação, para permitir que depois se faça “um debate mais aprofundado”.
CDS e PCP contra
Do lado do CDS, Ana Rita Bessa argumenta que o tema é “essencialmente técnico e científico” e que no contexto atual parece “tudo menos premente ou relevante”.
Mais uma vez, aponta os riscos para a saúde e para os alertas de psiquiatras e outros profissionais de Saúde sobre os riscos de episódios psicóticos ou de desenvolvimento de esquizofrenia, por exemplo. “Se não faz bem a ninguém, pode destruir vidas e não é prioritário, não será acompanhado pelo CDS”.
Também o PCP aponta a falta de “consenso na comunidade científica”, indicando “fortes indícios” de que a canábis contribua para o desenvolvimento de problemas psíquicos e pede criação de uma estrutura única para a intervenção junto dos toxicodependentes. Os comunistas têm sempre assumido que são contra a legalização destes projetos e defendido a aposta na “prevenção”.
André Ventura atira contra as propostas, apontando para os potenciais problemas de saúde causados pela canábis e garantindo que “as mortes por droga” continuam a aumentar em Portugal e que o consumo está a aumentar entre os jovens.
ZAO // Lusa