Piloto envolvido no acidente aéreo da Caparica estava reformado por invalidez mas “apto” para voar

André Kosters / Lusa

O presidente da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) admitiu esta terça-feira que o piloto instrutor responsável pela aterragem de emergência que provocou dois mortos na praia da Costa da Caparica estava licenciado para voar, apesar de reformado por invalidez.

O presidente do Conselho de Administração da ANAC, Luís Ribeiro, que foi o primeiro de três arguidos daquela entidade a ser ouvido na fase de instrução do processo, em Almada, garantiu ainda que o piloto instrutor Carlos Conde d’Almeida, envolvido no acidente que causou a morte de duas pessoas em 2 de agosto de 2017, cumpria todos os requisitos técnicos e médicos para voar.

Não obstante o piloto instrutor já ter sido diagnosticado com uma doença do foro psiquiátrico e de ter sido reformado pela TAP, por invalidez, segundo Luís Ribeiro foi dado como “apto” para voar pelo Centro de Medicina Aeronáutica, que, em condições normais, se limita a reportar à ANAC se os pilotos estão “aptos ou inaptos” para voar.

Luís Ribeiro falava perante a Juíza de Instrução Criminal (JIC) do Tribunal de Almada Margarida Natário, na instrução do processo, uma fase facultativa requerida pelos arguidos, que visa decidir se o processo segue, e em que moldes, para julgamento.

No primeiro dia da fase de instrução, a decorrer no salão nobre dos Bombeiros Voluntários de Almada, o presidente da ANAC confirmou também à Juíza de Instrução Criminal que a autoridade aeronáutica certifica e fiscaliza regularmente, no máximo de dois em dois anos, as escolas de formação de pilotos e que a responsabilidade pela formação dos pilotos é das escolas, não da ANAC.

O advogado Rui Patrício, que, além de Luís Ribeiro, também representa o diretor da Segurança Operacional, Vítor Rosa, e o chefe do Departamento de Licenciamento de Pessoal e de Formação da ANAC, José Queiroz, disse aos jornalistas que requereu a instrução do processo para demonstrar que as “três pessoas da Autoridade Nacional de Aviação Civil [que foram constituídas arguidas] não têm nenhuma responsabilidade no que aconteceu, independentemente de saber se alguém tem”.

“Nós não temos nenhuma responsabilidade, nem em termos de supervisão, nem em termos de certificação, nem em termos de renovação das licenças do piloto – não queria entrar em detalhes naturalmente, porque isso é perante o tribunal – mas o que nós vamos fazer é reiterar as razões da nossa instrução”, disse Rui Patrício, que não se mostrou muito surpreendido com a demora do processo.

“As vicissitudes são as vicissitudes dos tribunais, do funcionamento da Justiça. É preciso compreender que, independentemente de as coisas demorarem mais ou menos tempo, a justiça às vezes precisa do seu tempo, tem as suas fases, tem os seus rituais. Umas vezes pode ser estranho, outras pode ser explicável por razões relacionadas com os processos”, acrescentou, considerando que “não é nem anormal, nem inusitado, que um processo tenha a sua tramitação, sobretudo quando há questões técnicas a ver”.

Na origem do processo está o acidente ocorrido em 2 de agosto de 2017, em que Sofia Baptista António, de oito anos, e José Lima, de 56, foram colhidos mortalmente por um avião ligeiro, bilugar, modelo Cessna 152, que descolou do Aeródromo de Cascais (distrito de Lisboa) com destino a Évora, para um voo de instrução.

Após reportar uma falha de motor, cerca de cinco minutos depois de descolar, o avião fez uma aterragem de emergência no areal da praia de São João, no concelho de Almada (distrito de Setúbal).

Em junho de 2019, o Ministério Público (MP) deduziu acusação contra sete arguidos: o presidente da ANAC, o diretor da Segurança Operacional, o chefe do Departamento de Licenciamento de Pessoal e de Formação, e três responsáveis da Escola de Aviação Aerocondor – Ana Vasques, administradora, Ricardo Freitas, diretor de Instrução, e José Manuel Coelho, diretor de Segurança e Monitorização de Conformidade -, todos pelo crime de atentado à segurança de transporte por ar, agravado pelo resultado morte.

A procuradora-adjunta do MP Ana Margarete Filipe, do Departamento de Investigação e Ação Penal de Almada, acusou ainda o piloto instrutor, Carlos Conde d’Almeida, de condução perigosa de meio de transporte por ar e de dois crimes de homicídio por negligência.

Em dezembro de 2018, o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) concluiu que houve “falhas na gestão da emergência e quebra de procedimentos pelo piloto instrutor“.

// Lusa

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