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Hubble avista possível “jogo de sombras” do disco em torno de um buraco negro

NASA, ESA e W.P. Maksym (CfA)

Algumas das vistas mais deslumbrantes do nosso céu ocorrem ao pôr-do-Sol, quando a luz do Sol penetra nas nuvens, criando uma mistura de raios brilhantes e escuros formados pelas sombras das nuvens e pelos feixes de luz dispersos pela atmosfera.

Os astrónomos que estudam a galáxia próxima IC 5063 estão fascinados por um efeito semelhante em imagens obtidas pelo Telescópio Espacial Hubble da NASA. Neste caso, uma coleção de estreitos raios brilhantes e sombras escuras pode ser vista a irradiar do centro extremamente brilhante da galáxia ativa.

Uma equipa de astrónomos, liderada por Peter Maksym do Centro Harvard & Smithsonian para Astrofísica, em Cambridge, no estado norte-americano de Massachusetts, rastreou os raios de volta ao núcleo da galáxia, a localização de um buraco negro supermassivo e ativo. Um buraco negro é uma região densa e compacta do espaço que engole luz e matéria sob a força esmagadora da gravidade.

O objeto monstruoso alimenta-se freneticamente de material em queda, produzindo um poderoso jato de luz oriundo do gás superaquecido na sua vizinhança. Embora os investigadores tenham desenvolvido várias teorias plausíveis para o show de luzes, a ideia mais intrigante sugere que um anel interno em forma de tubo, ou toro, composto por material empoeirado em torno do buraco negro, está a lançar a sua sombra no espaço.

De acordo com o cenário proposto por Maksym, o disco de poeira em torno do buraco negro não bloqueia toda a luz. As lacunas no disco permitem que a luz irradie, criando raios brilhantes em forma de cone semelhantes a dedos de luz às vezes vistos ao pôr-do-Sol. No entanto, os raios em IC 5063 estão a ocorrer a uma escala muito maior, atingindo pelo menos 36.000 anos-luz.

Parte da luz atinge manchas densas no anel, provocando a sombra do anel no espaço. Estas sombras aparecem como formas escuras de dedos intercaladas com raios brilhantes. Estes feixes e sombras são visíveis porque o buraco negro e o seu anel estão inclinados para o lado em relação ao plano da galáxia. Este alinhamento permite que os feixes de luz se estendam para lá da galáxia.

Esta interação de luz e sombra fornece uma visão única da distribuição do material que rodeia o buraco negro. Em algumas áreas, o material pode assemelhar-se a nuvens dispersas. Se esta interpretação estiver correta, as observações podem fornecer uma sonda indireta da estrutura mosqueada do disco.

“Estou mais animado com a ideia da sombra do toro porque é um efeito muito giro que acho que não vimos antes em imagens, embora tenha sido teorizado,” disse Maksym.

“Cientificamente, está a mostrar-nos algo que é difícil – geralmente impossível – de ver diretamente. Sabemos que este fenómeno deve acontecer, mas, neste caso, podemos ver os efeitos por toda a galáxia. O saber mais sobre a geometria do toro terá implicações para qualquer um que esteja a tentar entender o comportamento dos buracos negros supermassivos e dos seus ambientes. À medida que uma galáxia evoluiu, é moldada pelo seu buraco negro central.”

O estudo do toro é importante porque canaliza material para o buraco negro. Se a interpretação da “sombra” estiver correta, os raios escuros fornecem evidências diretas de que o disco em IC 5063 pode ser muito fino, o que explica porque é que a luz está a irradiar por toda a estrutura.

As observações de buracos negros semelhantes, pelo Observatório de raios-X Chandra da NASA, detetaram raios-X irradiados das aberturas no toro, tornando a estrutura uma espécie de queijo suíço. Os buracos podem ser provocados pela pressão aplicada no disco por forças internas, causando a sua deformação, disse Maksym.

“É possível que a distorção crie lacunas grandes o suficiente para que parte da luz consiga brilhar para fora e, conforme o toro gira, feixes de luz podem varrer a galáxia como a luz de um farol num nevoeiro,” acrescentou.

Ciência cidadã fortuita

Embora esta galáxia seja estudada pelos astrónomos há décadas, foi necessária uma não-cientista para fazer a surpreendente descoberta. Judy Schmidt, artista e astrónoma amadora de Modesto, Califórnia, descobriu as sombras escuras quando reprocessou as exposições do Hubble em dezembro de 2019.

Schmidt rotineiramente vasculha o arquivo do Hubble em busca de observações interessantes que possa transformar em belas imagens. Ela partilha essas imagens no seu Twitter para os seus muitos seguidores, que incluem astrónomos como Maksyim.

Schmidt selecionou as observações Hubble de IC 5063 do arquivo porque está interessada em galáxias que têm núcleos ativos. As sombras em forma de cone não eram aparentes nas exposições originais, de modo que ficou surpreendida ao vê-las na sua imagem reprocessada. “Eu não tinha ideia de que estavam lá e, mesmo depois de a processar, continuei a perguntar-me se estava realmente a ver o que pensava que estava a ver,” disse.

Ela imediatamente publicou a imagem na sua conta do Twitter. “Era algo que eu nunca tinha visto antes, e mesmo que eu tivesse fortes suspeitas de que eram raios de sombra ou ‘raios crepusculares’, como Peter os apelidou, é fácil deixar a imaginação e o pensamento ansioso correrem soltos,” explicou. “Achei que se estivesse errada, alguém me corrigiria rapidamente.”

A imagem gerou uma animada discussão no Twitter entre os seus astrónomos seguidores, incluindo Maksym, que debateu a origem dos raios. Maksym já tinha analisado imagens Hubble dos jatos produzidos pelo buraco negro da galáxia.

De modo que assumiu a liderança no estudo dos raios e na redação de um artigo científico. O seu estudo é baseado em observações no infravermelho próximo feitas pelos instrumentos WFC3 (Wide Field Camera 3) e ACS (Advanced Camera for Surveys) do Hubble em março e novembro de 2019. A luz vermelha e no infravermelho próximo perfura a galáxia empoeirada para revelar os detalhes que podem estar envoltos em poeira.

Esta descoberta não teria sido possível sem a visão detalhada do Hubble. A galáxia também está relativamente perto, a apenas 156 milhões de anos-luz da Terra.

“Imagens mais antigas obtidas por telescópios terrestres talvez mostrassem indícios deste tipo, mas a própria galáxia é uma tal ‘bagunça’ que nunca imaginaríamos que era isto que estava a acontecer sem o Hubble,” explicou Maksym. “O Hubble tem imagens nítidas, é sensível a coisas ténues e tem um campo de visão grande o suficiente para visualizar a galáxia inteira.”

Maksym espera continuar o seu estudo da galáxia para determinar se o seu cenário está correto. “Queremos continuar a investigar e será ótimo se outros cientistas tentarem testar também as nossas conclusões, com novas observações e modelos,” disse. “Este é um projeto que implora por novos dados porque levanta mais perguntas do que respostas.”

Os resultados da equipa foram publicados na revista The Astrophysical Journal Letters.

// CCVAlg

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