A Austrália e o Japão “pagarão um preço correspondente” caso o seu novo pacto de defesa ameace a segurança da China, alertou a media estatal chinesa, apesar de o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, insistir que o acordo não deve preocupar Pequim.
Citado pelo Guardian, o jornal estatal Global Times declarou que o novo acordo “acelera a atmosfera de confronto na região da Ásia-Pacífico” e foi criado contra a China.
Os ministros australianos apelaram, na quarta-feira, a um diálogo com os seus homólogos chineses para resolver uma disputa diplomática latente, que levou Pequim a tomar uma série de decisões comerciais contra os setores de exportação australianos ao longo do ano.
As declarações chinesas surgem após Morrison e o seu homólogo japonês, Yoshihide Suga, terem anunciado na noite de terça-feira, em Tóquio, que chegaram a um amplo acordo sobre o treinamento de tropas no território um do outro.
Tentando evitar uma possível reação da China, o primeiro-ministro australiano afirmou que o acordo mostra “uma evolução significativa” da relação entre a Austrália e o Japão, “mas não há razão para que isso cause qualquer preocupação noutras partes da região”. “Na verdade, acho que contribui para a estabilidade da região, o que é bom”, acrescentou.
Morrison referiu que ambos os países acreditam “que o sucesso económico da China é bom para a Austrália e para o Japão”, frisando que não encaram aquela nação como um competidor estratégico.
O pacto de defesa, que deve ser finalizado quando Suga visitar a Austrália em 2021, indica que “a Austrália e o Japão, como democracias liberais e com base no mercado, têm interesses estratégicos em comum”.
O Global Times, no entanto, argumentou que o acordo “fornece uma nova alavanca para os [Estados Unidos] EUA dividirem a Ásia” e que o Japão e a Austrália “estão imprudentemente a dar o primeiro passo para criar uma cooperação de defesa profunda que visa um terceiro”.
O jornal estatal indicou que Pequim “dificilmente permanecerá indiferente aos movimentos dos EUA com o objetivo de incitar os países a se unirem contra a China a longo prazo” e que tomaria medidas. “Sugerimos que o Japão e a Austrália tenham contenção no caminho para formar uma aliança quase militar contra a China”, frisou.
“É melhor não criarem confrontos com a China sob influência dos EUA, ou seguir o passo dos EUA para forçar a Índia a conter a China. Certamente pagarão um preço correspondente se os interesses nacionais da China forem infringidos e a segurança ameaçada”, referiu ainda.
Espera-se que o acordo de acesso recíproco (RAA) abra caminho para uma maior cooperação de defesa e exercícios conjuntos entre o Japão e a Austrália – incluindo, potencialmente, no Mar do Sul da China. Quando finalizado e aprovado pelo parlamento japonês, será a primeira vez em seis décadas que Tóquio chegará a um acordo que permita a entrada de tropas estrangeiras no seu território.
O documento esclarecerá a situação jurídica das forças visitantes e abrangerá questões como a entrada e a saída, as taxas e os impostos alfandegários e a jurisdição criminal. Ainda não ficou claro se as tropas australianas enfrentarão a pena de morte se forem condenadas por crimes graves enquanto estiverem no Japão, país que mantém essa medida para homicídios múltiplos ou único agravado. A Austrália opõe-se à pena de morte.
A Austrália e o Japão concordaram com um mecanismo para resolver caso a caso, informou a ABC. O Guardian Australia adiantou que o mecanismo garante o respeito pelas obrigações legais internacionais de ambos os lados, mas os detalhes só serão divulgados após a finalização do texto.
A presidente do Conselho de Legislação da Austrália, Pauline Wright, disse estar “preocupada com a ideia de que serão tratados caso a caso”. “O que o povo australiano espera é que todas as nossas tropas estejam protegidas – não importa o que aconteça – da pena de morte como potencial punição”, declarou.
“A Austrália há muito que se opõe à pena de morte e, na maioria dos nossos acordos com governos internacionais, garantimos que não pode seja imposta a australianos no estrangeiro, em qualquer condição, e queremos que a mesma medida se aplique às nossas tropas que servem no exterior”, acrescentou.
O tesoureiro, Josh Frydenberg, apelou na quarta-feira para que o governo chinês concorde com um “diálogo respeitoso e mutuamente benéfico”. À Sky News, disse que “a bola está muito nas mãos da China” em termos de resposta ao pedido de negociações.
Na terça-feira, o Ministério das Relações Externas da China rejeitou essa visão, sublinhando que a responsabilidade pelo rompimento nas relações “não está com a China” e que cabia à Austrália tomar medidas para aumentar a confiança mútua.
Zhao Lijian, o porta-voz do Ministério das Relações Externas, reiterou que algumas pessoas na Austrália, com “mentalidade da Guerra Fria e preconceito ideológico”, tomaram “uma série de medidas erradas em relação à China”.
O responsável apontou os comentários do governo australiano sobre Hong Kong, Xinjiang e Taiwan, as primeiras medidas para banir a empresa de telecomunicações chinesa Huawei da rede 5G, as suas acusações contra a China de interferência estrangeira na Austrália e o seu apelo público para uma investigação global sobre a origem da covid-19.
O governo de Morrison disse repetidamente que “permanecerá firme” na proteção dos interesses nacionais da Austrália e na defesa dos seus valores.