Covid-19. Governo “ficou deslumbrado” e preparou-se mal para a segunda vaga

Mário Cruz / Lusa

O primeiro-ministro, António Costa, e a ministra da Saúde, Marta Temido

O investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, Tiago Correia, acredita que houve um “certo deslumbramento” por parte do Executivo combate à covid-19. “Não consigo explicar a mudança de posicionamento do Governo”, disse ao Público.

“Acho que houve claramente um certo deslumbramento, pensar que nos saímos muito bem na primeira vaga e que também nos sairíamos bem na segunda. Houve uma desconsideração política pela evidência técnica, uma falta de utilização do conhecimento técnico na elaboração das políticas que não consigo explicar”, indicou o especialista.

“No verão, de preparação para o outono e inverno, só consigo lembrar-me de que procurámos antecipar as vacinas da gripe e tratar do processo logístico da sua compra, e reforçar a nossa capacidade de testes de despiste da covid-19″, referiu o investigador, sublinhando, no entanto, que tem “uma enorme consideração e respeito pelos decisores que há oito meses têm de lidar todos os dias com isto”.

Mas, a partir de agosto, “começámos a ver um Governo muito mais autocentrado, menos sensível aos sinais da população. Vimos os nossos decisores políticos em espetáculos, a repetir-se da mensagem de que não voltaríamos a confinar, de que fomos bons alunos, de que tudo já tinha passado. Percebemos que as pessoas desconsideraram em absoluto a situação pandémica”, apontou.

“Houve um relaxe completo. Das pessoas, dos decisores políticos”, declarou ainda ao Público Tiago Correia, também professor associado de Saúde Internacional na Nova de Lisboa, acrescentando que, em Portugal, “perdeu-se a capacidade de fazer – de identificar as cadeias de transmissão do vírus”.

Para o investigador, o recrutamento do Exército para rastrear ajudar no controle da pandemia “é muito importante”, mas vem tarde. “Em novembro? A imagem que tenho na cabeça é um comboio a alta velocidade que tem de ser travado – mas demora muito mais parar de repente do que quando o comboio estava com um andamento mais baixo”.

Já o pneumologista Jaime Pina, que participou no grupo que, em 2003, elaborou o plano de contingência para a a SARS – que se disseminou rapidamente mas se extinguiu em sete meses – notou que “reuniram-se os peritos todos, para tirar conclusões, mas ao fim de 17 anos elas ficaram esquecidas”.

“A primeira era que é importantíssima a coordenação da Organização Mundial de Saúde em todas as fases da pandemia. A segunda é que os sistemas de vigilância e a informação têm de estar ao serviço de toda a gente. E a terceira é que a cooperação era fundamental”, explicou, frisando que, “na Europa, com a covid-19, cada um fez à sua maneira. A UE [União Europeia] não falou a uma só voz. Houve coisas tão dispersas como confinamentos em Portugal ou não-confinamentos na Suécia, estratégias muitíssimo diferentes”.

ZAP //

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