O escritor francês Gabriel Matzneff, aclamado com vários prémios e financiado pelo Estado com um subsídio vitalício, relatou durante décadas as suas aventuras sexuais com menores em livros. Sempre foi mais elogiado do que criticado, mesmo que tenha defendido a legalização do sexo com menores. Só agora, depois da publicação das confissões de uma das jovens com quem se envolveu sexualmente, enfrenta acusações de pedofilia.
Gabriel Matzneff, de 83 anos, está a ser investigado pelo Ministério Público (MP) francês por “violação de menor” depois da publicação do livro “Le Consentement” (O Consentimento) da escritora Vanessa Springora. A também directora da Éditions Julliard, editora francesa, conta na obra como viveu uma relação amorosa com Matzneff quando tinha apenas entre 13 e 14 anos.
“Aos 14 anos, não deveria ser esperada por um homem de 50 anos à saída do colégio, não deveria morar num hotel com ele, nem me encontrar na cama dele, ou ter o seu pénis na boca à hora do lanche”, escreve Vanessa Springora, como cita a imprensa francesa. Ela alega que foi seduzida pelo escritor e que só deixou de estar apaixonada por ele quando descobriu os seus escritos sobre as relações que manteve, ao longo de décadas, com rapazes e raparigas adolescentes, nomeadamente em viagens de sexo que fez pelo Sudeste Asiático.
Em França, a maioridade sexual está fixada nos 15 anos. Qualquer relação sexual com um menor dessa idade constitui um crime.
Apesar das circunstâncias da Lei e de o tema das aventuras sexuais com jovens adolescentes marcar quase toda a obra de Gabriel Matzneff, o escritor nunca foi importunado pela justiça. Assinou obras como “Les Moins de 16 ans” (Os menores de 16 anos), onde escreveu que “dormir com uma criança é uma experiência sagrada” – uma obra lançada em 1974 e republicada em 2005. E foi aclamado pelo meio literário francês durante anos, aparecendo em programas de televisão a defender a legalização do sexo com menores.
Matzneff recebeu mais de 160 mil euros do Estado
Gabriel Matzneff é um dos escritores franceses consagrados que recebe apoios financeiros do Estado como reconhecimento pelo seu contributo literário. A imprensa francesa avança que ele terá recebido, desde 2002, mais de 160 mil euros de fundos públicos.
Agora, arrisca-se a perder a subvenção vitalícia estatal que é destinada a escritores idosos com poucos recursos financeiros, como já admitiu o ministro da Cultura, Franck Riester, que alega que “a aura literária não é uma garantia de impunidade”.
Uma posição que diverge completamente da atitude do passado do mesmo ministério que, em 1995, agraciou o escritor com a Ordem das Artes e das Letras – nessa altura, não terá achado relevantes os relatos das suas experiências sexuais com menores que perpassam por toda a sua obra.
Em 2013, Gabriel Matzneff foi distinguido com o prestigiado Prémio Renaudot. Nessa altura, uma associação de defesa da infância tentou mover uma acção judicial contra o escritor por apologia de agressão sexual, mas o assunto quase nem deu páginas de jornal.
O prémio terá também incentivado Vanessa Springora, agora com 47 anos, a escrever o seu livro de confissões que abriu, finalmente, caminho à justiça, após décadas de omissão.
“Toda esta informação estava amplamente disponível, os contemporâneos de Matzneff sabiam muito bem e foram conduzidos estudos universitários sobre estas questões, mas foi preciso o relato de uma vítima para despoletar este processo“, lamenta a historiadora Anne-Claude Ambroise-Rendu, autora do livro “A História da Pedofilia”.
O caso dá eco a uma certa tolerância para com a pedofilia que perpassa pela sociedade francesa. Ainda há bem pouco tempo, a Justiça do país considerou que o sexo com duas meninas de 11 anos foi consensual. Na última revisão da Lei contra as violências sexuais, em 2018, o Governo rejeitou incluir uma idade mínima de consentimento para um acto sexual.
Outros grandes nomes da Literatura francesa, como Michel Foucault, Roland Barthes, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, chegaram a notar a prática de sexo com menores como uma forma de libertação. Uma posição que foi reforçada pelo espírito do Maio de 1968 que colocou a França num estado de luta contra todas as formas de opressão, contra os moralismos e outros “ismos”, fomentando o ideal de que era “proibido proibir”.
A própria Vanessa Springora fala disso, realçando que quando a mãe se apercebeu da sua relação com o escritor chegou a empregar a palavra “pedofilia” nos “alertas” que lhe fez. Mas “ela estava num estado de espírito que se assemelhava ao do fim dos anos 1970 e que era “é proibido proibir”“, destaca a escritora em entrevista à France Culture.
Nessa entrevista, Vanessa Springora salienta que o facto de se ter tornado mãe também a incentivou a escrever o livro, pois isso fez-lhe perceber “o que tinha sido muito difícil” para si naquela “idade tão particular, de grande vulnerabilidade, de transição entre a infância e a idade adulta”. “É um momento onde se é uma presa ideal”, considera ainda, frisando que Gabriel Matzneff tinha uma “aura de artista” e que era “uma figura inevitavelmente fascinante”, e acusando-o de dupla “predação” dada a “exploração literária” que fez das suas relações sexuais com menores.
Escritor lamenta “campanha excessiva e agressiva”
Gabriel Matzneff já veio lamentar que Vanessa Springora “tenta fazer” dele “um perverso, um predador”, queixando-se de uma “campanha excessiva e agressiva” contra ele e falando na “beleza do amor partilhado” com a agora escritora.
“Parece-me idiota, extravagante, que se queixem em 2020 de livros publicados há mais de 30 anos, ainda há mais de quarenta anos”, refere num longo texto publicado pelo jornal L´Express. O escritor recorda outros autores do que define como uma “época despreocupada”, citando Guy Hocquenghem e Renaud Camus, entre outros, e concluindo que foram escritas “centenas de páginas sobre o tema que, então, nos parecia inocente”.
Mas se ao longo dos anos o escritor foi recebendo a complacência dos seus pares, no mundo literário, alguns procuram agora demarcar-se dos elogios que lhe teceram.
E também as editoras começam a abandonar Matzneff, com as Edições Gallimard, La Table e Léo Scheer a anunciarem que vão deixar de comercializar obras do escritor, designadamente o controverso “Les Moins de 16 ans” e “Les Carnets noirs 2007-2008”, o diário pessoal do autor.
“O sofrimento expresso pela Senhora Vanessa Springora em “Le Consentement” faz ouvir uma voz cuja força justifica esta medida excepcional”, justifica a Gallimard que publica o escritor há 30 anos.
Entretanto, a Associação de prevenção da pedofilia Ange Bleu convocou o escritor para comparecer perante a Comissão de Violências Sexuais a 13 de Fevereiro próximo, para responder por “apologia do crime de pedofilia” e “provocação para cometer delitos e crimes”.
“Os livros de Gabriel Matzneff e, especialmente, o intitulado “Les moins de 16 ans”, são um manual para pedófilos. Encontrei muitos pedófilos que se sentiram legitimados pelas obras de Matzneff”, refere a presidente de Ange Bleu, Latifa Bennari, considerando que cada livro do autor “é uma confissão” que basta para o condenar.
Hã?? A França pedófila?? Sou franco, não sabia… que grande cumplicidade de todos, inacreditável/lamentável!!
O quê ?? Estou absolutamente petrificada com isto…como este monstro pedofilo ainda foi / é aclamado e subsidiado !! Em vez de preso perpetuamente que é o que merecem ele e todos os da sua laia ! Meu Deus !! Só quem foi vitima de pedofilia sabe o que é,fica para a vida toda ! Eu sei bem do que falo,passei pelo mesmo que esta senhora,Vanessa Springora . Muitos parabens a ela pela coragem ! Mais vale tarde que nunca ! Eu queria ter a mesma coragem e dizer na cara ao meu violador o mal que ele me fez . Nao que ele se importasse,claro. Queria bater-lhe . Queria Dizer a toda a gente. Uma pessoa de 14 ou 15 /16 anos nao tem maturidade para dar consentimento sexual. A um maior de idade ainda por cima ! Quer dizer,para conduzir não se tem maturidade ou beber ou fumar ou trabalhar mas para satisfazer os tarados já se tem. Ridiculo ! Este é um mundo de interesses podres. Montes de figuras influentes na sociedade incluindo juízes sao pedofilos ! Cuidado !!