A segunda figura mais importante do budismo tibetano é também o mais jovem prisioneiro político do mundo. Gedhun Choekyi Nyima, a 11.ª reencarnação de Panchen Lama, foi levado por autoridades chinesas em 1995, quando tinha seis anos de idade.
De acordo com um artigo da BBC Brasil, divulgado na sexta-feira, vinte e quatro anos depois, não se sabe onde está Gedhun Choekyi Nyima, tampouco as condições em que vive. E isso pode ameaçar o futuro do budismo.
Os budistas tibetanos acreditam na reencarnação. Em 1989, quando o líder budista Panchen Lama morreu de forma suspeita – muitos acreditam que tenha sido envenenado pelas autoridades chinesas – foi apenas uma questão de tempo para o mesmo voltar reencarnado, segundo a crença budista.
Em maio de 1995, Dalai Lama, principal líder espiritual do budismo tibetano, anunciou que o jovem Gedhun Choekyi Nyima – filho de um médico e de uma enfermeira -, de seis anos, havia sido identificado como a reencarnação de Panchen Lama.
As autoridades chinesas, informou a BBC Brasil, esperavam que Panchen Lama fosse identificado sem o envolvimento de Dalai Lama, que deixou o Tibete em 1959 e montou a sede do governo tibetano nas montanhas no norte da Índia.
Desde o princípio, o governo chinês afirmou que Gedhun Choekyi Nyima, nascido na cidade de Naqchu, não era o “Panchen Lama real” e, em 1995, tirou o menino e a sua família de cena. Os chineses também apontaram outro garoto tibetano como a reencarnação do líder espiritual, que os seguidores de Dalai Lama não reconhecem como tal.
Desde 17 de maio de 1995 não se sabe o seu paradeiro exato. Certa vez, uma autoridade chinesa disse ao jornal South China Morning Post que o mesmo estava a viver em Gansu, no norte da China. Mas há quem acredite que poderia estar sob custódia em Pequim ou nos arredores da capital chinesa.
Em 2000, Robin Cook, então ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, disse, numa audiência na Casa dos Comuns: “toda a vez que se toca no assunto de Gedhun Choekyi Nyima recebemos garantias do governo da China de que o seu estado de saúde é bom, que está a ser bem tratado e que os pais não desejam intervenção internacional”.
Robin Cook indicou ainda que duas fotografias providenciadas pelo governo chinês, num dos encontros com representantes do governo britânico naquela época, mostravam Gedhun Choekyi Nyima em casa. “Não conseguimos o nosso objetivo, que é o acesso para nós mesmos verificarmos a situação”.
Imagem construída
Também em 2000, quando o governo britânico teve acesso às imagens, Gedhun Choekyi Nyima tinha 11 anos. Numa das fotografias, aparecia a jogar pingue-pongue. Na segunda imagem, era possível ver a parte de trás da sua cabeça enquanto escrevia em chinês num quadro negro. As fotografias, contudo, não foram entregues aos oficiais britânicos.
Tim Widden, especialista em retratos forenses, simulou como o seu rosto estaria hoje, utilizando técnicas de envelhecimento digital a partir do único retrato da infância de Gedhun Choekyi Nyima que foi divulgado publicamente quando desapareceu.
A imagem foi encomendada para o 30º aniversário de Panchen Lama. Tim Widden indicou que considerou um homem nessa idade com estado de saúde médio, embora possa Gedhun Choekyi Nyima possa ser mais magro. Também foi preciso escolher um penteado.
Quando faz a progressão de idade de pessoas desaparecidas, o especialista em retratos forenses normalmente usa um número maior de fotografias da própria pessoa, dos pais ou dos irmãos. Neste caso, contudo, há apenas uma foto disponível.
Essa imagem foi criada para a Rede Internacional do Tibete, que reúne mais de 180 organizações tibetanas que lutam pelo fim das violações de direitos humanos na região, que é alvo de disputas entre tibetanos, chineses e outros grupos étnicos – como os monpas e os lhobas.
Uma outra organização, a Campanha Internacional para o Tibete, publicou uma imagem similar há quatro anos, quando completaram 20 anos do desaparecimento de Gedhun Choekyi Nyima.
Essa imagem mostra como o Panchen Lama estaria aos 26 anos de idade, com vestes de monge budista. Mas não há nenhuma informação que garanta que o mesmo tenha sido ordenado monge. Quando os chineses afirmaram que ele estava a estudar, não informaram o curso que estava a seguir.
A importância de Panchen Lama
Como o Dalai Lama, o Panchen Lama é, para os budistas tibetanos, a reencarnação de um dos aspetos de Buda. O segundo mais importante líder espiritual budista é Amithaba, o buda da luz iluminada. Dalai Lama, por sua vez, é Avalokiteshvara, o buda da compaixão.
Tradicionalmente, um age como mentor do outro e desempenha um papel-chave em identificar as reencarnações. Como o atual Panchen Lama é mais de 50 anos mais jovem que Dalai Lama, era esperado que fosse o responsável por identificar quem vai suceder ao principal líder espiritual budista, hoje com 83 anos de idade.
Quando o governo chinês insistiu em controlar a escolha de quem seria a 11.ª reencarnação de Panchen Lama, em 1995, devia estar a preparar-se para o momento da transição de Dalai Lama, lê-se no artigo da BBC Brasil.
“Eles [os chineses] disseram que estavam a esperar pela a minha morte e que iriam reconhecer um 15.º Dalai Lama escolhido por eles”, escreveu Dalai Lama em 2011, numa mensagem sobre a reforma e a reencarnação.
Embora o Panchen Lama normalmente tenha um papel de liderança na busca pela reencarnação de Dalai Lama, não é “todo o processo de reencarnação e o fim de tudo”, afirmou Bhuchung Tsering, vice-presidente da Campanha Internacional pelo Tibete.
Bhuchung Tsering considera que quando o momento de substituir Dalai Lama chegar, as autoridades chinesas “poderiam usar o indivíduo que eles escolheram como Panchen Lama para servir aos seus interesses políticos”.
Em março, Dalai Lama disse à agência de notícias Reuters que o seu sucessor poderia estar na Índia, onde ele e muitos outros tibetanos têm vivido nos últimos 60 anos. “No futuro, no caso de dois Dalai Lamas surgirem, um viria daqui, um país livre, e o outro seria escolhido pelos chineses, alguém que ninguém iria confiar, respeitar. Então, esse é um problema a mais para os chineses”, salientou.
Dalai Lama indicou também, durante um encontro com budistas tibetanos na Índia, que ainda este ano poderia discutir se há a necessidade de manter a instituição Dalai Lama.
Divulgação de uma nova imagem
Em casos convencionais de desaparecidos, é sempre possível que alguém veja a pessoa e entre em contato com autoridades. Por exemplo, imagens da progressão etária de Andrew Gosden – um adolescente que desapareceu em 2007 – elaboradas por Tim Widden, apareceram num ecrã gigante durante a turnê da banda inglesa Muse nesse mesmo ano, na esperança de que alguém reconhecesse o rapaz.
No caso do Panchen Lama, o objetivo é atrair a atenção internacional e fazer com que as autoridades chinesas forneçam novas informações sobre Gedhun Choekyi Nyima. “A nossa ideia é que precisamos revigorar essa campanha”, explicou Mandie McKeown, da Rede Internacional do Tibete.
“Não há informações sobre que tipo de vida ele tem levado. Não há indicação de que está a estudar e há informações divergentes sobre onde está”, acrescentou.
Caso tenham acesso a informações sobre o local onde Panchen Lama vive, ativistas iriam pressionar por uma confirmação independente. Também defendem que Gedhun Choekyi Nyima viva em liberdade, no Tibete ou em exílio. “Vamos continuar pedindo pela libertação da maneira mais forte possível”, reiterou Mandie McKeown.