Numa operação dedicada ao tráfico de crianças, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) afirma que há mitos, como tráfico para extração de órgãos, e realidades – tráficos para receber subsídios estatais em países europeus.
Muitas das crianças que são vítimas de tráfico de seres humanos são utilizadas como fonte de rendimento, sobretudo através da prestação indevida de subsídios estatais em diversos países europeus, segundo um responsável do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Mário Varela, inspetor da Unidade Anti-Tráfico de Pessoas, afirmou à Lusa que “contrariamente ao que muitas vezes circula”, nunca foram detetados casos de crianças traficadas com propósito de extração de órgãos.
“Estas crianças são muitas vezes utilizadas como fonte de rendimento, não tanto para fins de exploração sexual ou laboral, mas muito mais, pelos dados que temos recolhido, para a prestação indevida de subsídios por parte de entidades estatais nos diversos países da União Europeia”, afirmou o responsável.
Sublinhando que “os mitos e opiniões sobrepõem-se muitas vezes aos factos e aos dados”, Mário Varela indicou que, embora existam também situações associadas a estes fins ou à mendicidade e outras práticas criminosas, os dados apontam para que “a larga maioria dos casos estejam direta ou indiretamente” relacionados com o recebimento indevido de subsídios, com Portugal a servir de porta de entrada de crianças para outros países europeus.
“Naturalmente, tal como noutros fenómenos migratórios, tendem a deslocar-se para os países do norte da Europa, mais ricos”, salientou o inspetor, acrescentando que “não há uma tendência claramente definida”, em termos de países, quanto a estes fluxos.
As crianças têm um fator de risco acrescido em relação a outras vítimas de tráfico: “Estas conhecem e sabem a sua história e as crianças não sabem o que aconteceu, ou se sabem, não querem contar ou não sabem contar porque não têm noção do que aconteceu”.
Por este motivo, a preocupação, sobretudo no caso dos menores que viajam sem os pais, “é saber quem está à espera da criança, se são de facto os seus progenitores, se há autorização para a criança viajar, se a pessoa que a traz já trouxe outras crianças, etc.”.
O número de interceções tem crescido, mas isso não significa necessariamente que o tráfico de seres humanos se esteja a agravar. “Quer dizer que temos mais passageiros, mais origens, mais voos de países de risco e também mais controlo”, justifica Mário Varela, frisando que as autoridades estão “mais atentas” e o combate a estas situações é feito “de forma mais focada e menos aleatória”.
Em 2018, o SEF registou 26 processos-crime (dados provisórios) relacionados com este tipo de criminalidade. Foram sinalizadas 59 vítimas de tráfico de seres humanos, das quais 19 eram menores.
“Nos últimos anos, Portugal tem registado uma evolução no sentido de a maioria das vítimas de tráfico sinalizadas em Portugal serem do sexo masculino, em idade adulta, traficadas para fins de exploração laboral, de nacionalidade indostânica ou do leste europeu”, diz o SEF.
As vítimas são recrutadas em países pobres e oriundas de meios sociais desfavorecidos, com baixa escolaridade e submetidas, muitas vezes, no seio familiar, a maus tratos físicos e psíquicos.
Em Portugal, os traficantes usam modus operandis semelhantes: retirada de documentos de identificação e viagem, utilização de documentação fraudulenta, proibição de saída dos locais onde exercem a sua “atividade” sem autorização ou de contactos com terceiros, agressões físicas e psicológicas e endividamento resultante da vinda para a Europa.
ZAP // Lusa