Cientistas criaram, pela primeira vez, gelo superiónico em laboratório, um tipo de gelo que se forma a temperaturas quase tão quentes quanto a superfície do Sol.
O gelo superiónico, criado pela primeira vez em laboratório, é sólido e líquido ao mesmo tempo e é cerca de 60 vezes mais denso do que o gelo comum. Além disso, forma-se a temperaturas quase tão quentes quanto a superfície do Sol.
Os cientistas acreditam que este tipo de gelo de alta pressão existe no interior dos planetas Úrano e Neptuno. No entanto, até agora, a sua existência era apenas teórica.
Marius Millot, físico do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, Estados Unidos, acredita que este novo trabalho, publicado recentemente na Nature Physics, fornece provas experimentais de gelo superiónico.
A razão que explica o facto de este tipo de gelo ser muito mais denso do que aquele que comummente conhecemos é o facto de se formar sob calor e pressão extremos, semelhantes às condições encontradas dentro de planetas gigantes.
Além disso, durante a fase superiónica, o hidrogénio e o oxigénio dentro das moléculas de água comportam-se de forma bizarra, isto é, os iões de hidrogénio movem-se como um líquido, dentro de uma rede cristalina sólida de oxigénio. Este cenário prova que fazer gelo não é uma tarefa nada simples.
Para o conseguir, a equipa de cientistas comprimiu água num cubo de gelo ultracongelado e cristalino, porém, uma forma cristalina muito diferente daquela que vemos em cubos de gelo comuns.
De seguida, os cientistas aplicaram 2,5 de GPa de pressão no gelo, equivalente a cerca de 25.000 vezes a pressão atmosférica na Terra. Depois, aqueceram e comprimiram novamente o material, através de choques a laser. Cada estrutura de gelo recebeu até seis raios laser, com mais de 100 vezes esta alta pressão.
Este método permitiu que a equipa acedesse a estados mais frios em alta pressão do que os alcançados em experiências anteriores de compressão por choque.
Quando o gelo superiónico ficou pronto, a equipa analisou as suas propriedades ótimas e termodinâmicas. Contudo, o tempo que tinham para realizar esta tarefa era demasiado reduzido – 10 a 20 nanossegundos – antes que as ondas de pressão libertassem a compressão e a água se dissolvesse.
Os resultados surpreenderam os cientistas, na medida em que o gelo é capaz de derreter a 4.725 graus Celsius a 200 GPa de pressão (pressão essa que é cerca de 2 milhões de vezes a pressão atmosférica da Terra).
“É espantoso que o gelo esteja presente em temperaturas de milhares de graus dentro desses planetas”, disse Raymond Jeanloz, físico planetário da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, e um dos autores do estudo.
Esta descoberta pode dar-nos uma visão do interior de planetas como o Úrano e Neptuno. Apesar de estudos anteriores terem sugerido que estes planetas têm núcleos “totalmente fluídos”, a adição de gelo superiónicos muda completamente esta imagem. Esta nova pesquisa propõe que o interior destes planetas seja formado por uma camada fluída relativamente fina e por um grande “manto” de gelo superiónico.
Aliás, esta ideia confirmaria uma simulação de computador, realizada há uma década, que tentava explicar os estranhos campos magnéticos de Úrano e Neptuno. O campo magnético de Úrano está inclinado cerca de 59 graus do eixo do planeta e os polos magnéticos de Neptuno têm uma inclinação de aproximadamente 47 graus.
Por seu turno, a Terra tem uma inclinação de apenas 11 graus, sendo esta uma comparação extrema. Isto faz com que os cientistas acreditem que os campos magnéticos destes planetas se comportem de maneira diferente.
ZAP // HypeScience / IFL Science