Duas das áreas mais empolgantes da ciência estão se a unir para se ajudarem mutuamente. Os cientistas querem usar a inteligência artificial que conduz automóveis autónomos para explorar as complexidades do mundo quântico.
A inteligência artificial vai ajudar os cientistas a explorarem as complexidades do mundo quântico. Por outro lado, um algoritmo quântico pode contribuir para que a inteligência artificial dê um salto de qualidade e se torne ainda mais poderosa do que já é.
Os físicos demonstraram que a aprendizagem da máquina pode reconstruir um sistema quântico com base em relativamente poucas medidas experimentais. Este método permitirá que cientistas avaliem completamente sistemas de partículas de forma muito mais rápida do que as técnicas convencionais usadas atualmente.
De forma muito mais rápida mesmo: sistemas complexos que exigiriam milhares de anos para ser reconstruidos com métodos anteriores poderiam ser analisados inteiramente numa questão de horas.
O desenvolvimento de computadores quânticos e outras aplicações da mecânica quântica seriam beneficiados pela nova técnica. “Mostramos que a inteligência da máquina pode capturar a essência de um sistema quântico de forma compacta”, diz o co-autor do estudo, Giuseppe Carleo, cientista de pesquisa do Centro de Computação de Física Quântica do Instituto Flatiron, na cidade de Nova Iorque.
O estudo foi publicado na segunda-feira na revista Nature Physics.
A inspiração dos investigadores foi o AlphaGo, programa de computador que usou a aprendizagem da máquina para superar o campeão mundial do jogo de tabuleiro chinês Go em 2016. “O AlphaGo foi realmente impressionante, então começamos a perguntar-nos como poderíamos usar essas ideias na física quântica“, diz Carleo.
Sistemas de partículas, como eletrões, podem existir em muitas configurações diferentes, cada uma com uma probabilidade particular de ocorrência. No reino quântico, os sistemas não observados não existem com qualquer uma dessas configurações.
Em vez disso, o sistema pode ser pensado como existindo com todas as configurações possíveis simultaneamente. Cada eletrão, por exemplo, pode ter uma rotação para cima ou para baixo, semelhante ao famoso gato de Schrödinger, morto e vivo ao mesmo tempo até ser observado.
Quando medido, o sistema colapsa e chega a uma das configurações, assim como o gato de Schrödinger, que está morto ou vivo depois de a caixa ser aberta. Essa peculiaridade da mecânica quântica significa que nunca se pode observar toda a complexidade de um sistema numa única experiência. Em vez disso, os cientistas conduzem as mesmas medidas várias vezes até poderem determinar o estado de todo o sistema.
Esse método funciona bem para sistemas simples, com apenas algumas partículas. Mas quando estão envolvidas muitas partículas, as coisas começam a complicar-se. Se considerarmos que cada eletrão pode ser girado para cima ou para baixo, um sistema de cinco eletrões possui 32 configurações possíveis. Um sistema de 100 eletrões tem biliões de possibilidades.
O emaranhamento das partículas complica ainda mais. Através do emaranhamento quântico, partículas independentes entrelaçam-se e deixam de poder ser tratadas como entidades puramente separadas, mesmo quando separadas fisicamente. Este emaranhamento altera a probabilidade de configurações diferentes. Métodos convencionais, portanto, simplesmente não são viáveis para sistemas quânticos complexos.
Carleo e os seus colegas contornaram essas limitações usando técnicas de aprendizagem de máquina.
Os cientistas colocaram medidas experimentais de um sistema quântico numa ferramenta de software baseada em redes neurais artificiais. O software aprende ao longo do tempo e tenta imitar o comportamento do sistema. Uma vez que o software tem dados suficientes, pode reconstruir com precisão o sistema quântico completo.
Os investigadores testaram o software usando conjuntos de dados experimentais simulados com base em diferentes sistemas quânticos. Nestes testes, o software ultrapassou os métodos convencionais. Para oito eletrões, cada um com giro para cima ou para baixo, o software poderia reconstruir com precisão o sistema com apenas cerca de 100 medidas contra os quase 1 milhão de medidas que o método convencional exigiria para atingir o mesmo nível de precisão.
A nova técnica também pode lidar com sistemas muito maiores. Por sua vez, essa habilidade pode ajudar os cientistas a validar se um computador quântico está configurado corretamente e que qualquer software quântico funcionaria como pretendido.
Capturar a essência de sistemas quânticos complexos com redes neurais artificiais compactas tem outras consequências de longo alcance.
O coordenador do Centro para Cálculo Computacional de Química Quântica, Andrew Millis, observa que estas ideias fornecem uma nova abordagem importante para o desenvolvimento contínuo de novos métodos para entender o comportamento dos sistemas quânticos interativos e se conectar com o trabalho noutras abordagens de aprendizagem mecânica de inspiração quântica.
Além das aplicações para pesquisas fundamentais, Carleo explica que as lições aprendidas pela equipa ao combinar a aprendizagem de máquinas com ideias da física quântica também poderiam melhorar as aplicações de uso geral de inteligência artificial.
“Poderíamos usar os métodos que desenvolvemos aqui noutros contextos. Um dia, quem sabe, podemos ter um carro autónomo inspirado pela mecânica quântica”, realçou.
Em vez de utilizar a inteligência artificial para melhorar o conhecimento sobre a física quântica, as pesquisas que envolvem estes dois elementos geralmente funcionam no caminho inverso: o da utilização da física quântica para melhorar a inteligência artificial.
A inteligência artificial atual é limitada a estes algoritmos especializados de aprendizagem de máquinas, capazes de realizar tarefas específicas de forma automatizada – como conduzir um carro ou jogar xadrez.
ZAP // Hype Science / Phys.org / Futurism