A lei que criminalizou os piropos de teor sexual entrou em vigor há dois anos, mas ainda não é possível encontrar dados precisos sobre denúncias ou condenações. No ano passado, o crime de importunação sexual, que inclui os piropos, levou à abertura de 733 inquéritos.
Ricardo Moreira descia a rua de carro, mas o trânsito estava lento o suficiente para presenciar, ao longo de vários minutos, os comentários que um grupo de quatro homens num café de esquina da Rua do Telhal, em Lisboa, fazia “a cada rapariga ou mulher que passava”.
Ricardo Moreira só tinha uma opção: “Fiz aquilo que é natural. Sendo que é crime, liguei para a polícia”, conta o Público. “Expliquei o que se estava a passar, disse onde, qual era o café, quantos rapazes é que eram, o que estavam a fazer, e perguntei se podiam passar pelo local.”
O que intrigou o investigador do ministério do Trabalho – e o levou a partilhar o episódio numa publicação no Facebook – foi quando lhe perguntaram “por três vezes” o que é que os homens estavam a fazer para além disso. “Não achei natural a reacção da polícia face a uma coisa que hoje não é legal, achar tão esquisito eu estar a ligar.” Mas, por fim, o agente garantiu-lhe que iria ser enviado alguém para tratar da situação.
Como estas histórias existem muitas outras que continuam silenciadas.
Em Portugal, o debate sobre a criminalização do piropo foi aceso. A questão acabou solucionada discretamente, em agosto de 2015, quando as “propostas de teor sexual” foram incluídas no crime de importunação sexual através do mesmo diploma que alterou os crimes de violação e coacção sexual e criou os crimes de mutilação genital feminina, perseguição e casamento forçado.
Contudo, nestes dois anos desde que a formulação de “propostas de teor sexual” passou a ser crime, o impacto da lei sobre os piropos ofensivos ainda não é conhecido.
As forças de segurança não fornecem dados sobre denúncias destes crimes. Os dados aparecem sempre agregados a outros comportamentos previstos no crime de importunação sexual.
Hugo Palma, porta-voz da PSP, acredita que “não será uma tipologia com muita dimensão”, o que justifica que os dados relativamente a esses comportamentos – enquadrados num crime “que vai desde as palavras aos gestos” – não estejam tratados.
Da mesma forma que não existem dados sobre as denúncias, não é ainda possível saber se houve alguma condenação. O Ministério Público possui apenas dados gerais relativamente ao crime de importunação sexual, que mostram que no ano passado foram instaurados 733 inquéritos pela eventual prática deste crime, que abrange as “propostas de teor sexual” (vulgo piropos), “actos exibicionistas” e “constrangimento a contacto de natureza sexual”. Ou seja, este tipo de situações deram origem a dois inquéritos por dia.
No mesmo período, foram deduzidas 75 acusações pelo mesmo tipo de crime.
Da parte do Ministério da Justiça, as estatísticas relativas a 2016 só estarão disponíveis no final de Outubro. Em 2015 não houve processos findos nos tribunais pelo crime de importunação sexual. Recorde-se que a lei tinha entrado em vigor na segunda metade do ano.