Mais sinistro que um morcego? Um morcego com duas cabeças

(dr) Nadja L. Pinheiro

Um grupo de cientistas encontrou, no Brasil, os restos mortais de um raro morcego de duas cabeças – algo que só tinha sido observado duas vezes.

Quando o investigador Marcelo Rodrigues Nogueira, viu os “gémeos” pela primeira vez, ficou “completamente atónito”, escreveu num e-mail enviado à Live Science.

“Eu já manipulei muitos morcegos na minha carreira, alguns com características morfológicas impressionantes, mas nenhum foi tão surpreendente como este”, destacou o principal autor do estudo publicado na revista Anatomia Histologia Embryologia.

Apenas dois outros pares de morcegos gémeos unidos foram relatados na literatura científica, um em 1969 e outro em 2015.

Possíveis causas

Embora não se saiba exatamente o que faz com que os gémeos idênticos nasçam unidos, o fenómeno é conhecido por ocorrer quando um ovo fertilizado se divide muito tarde. Se um ovo se separa quatro a cinco dias após a fertilização, formam-se dois gémeos idênticos separados. Mas, se a divisão não ocorrer entre 13 a 15 dias após a fertilização, o ovo fertilizado separa-se apenas parcialmente e os gémeos nascem unidos.

Os cientistas souberam da existência dos morcegos depois de os animais terem sido encaminhados para o Laboratório de Mastozoologia da Universidade Estadual do Norte do Rio de Janeiro.

Ninguém na equipa de Nogueira, que inclui os embriólogos Nadja Lima Pinheiro e Adriana Ventura, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, viu os gémeos no momento em que foram encontrados, por isso não sabem se os animais sobreviveram ou se morreram logo após o nascimento.

Os morcegos, encontrados em 2001, são gémeos siameses do tipo dicefálicos parapagos, o que significa que estão lado a lado com os seus troncos inteiros unidos. Os raios-X revelaram que as espinhas dos animais têm o formato de um “Y”, com duas colunas vertebrais separadas que se ramificam na parte inferior das costas.

As imagens de ultrassom também revelaram dois corações do mesmo tamanho, que os especialistas suspeitam estar separados.

Como a maioria dos morcegos tem apenas um filho por ninhada, também é muito raro encontrar morcegos gémeos não siameses. Durante os cinco anos em que Daniel Urban, da Universidade de Illinois, nos EUA, estudou morcegos, só conseguiu observar um único filho, que estava a voar à volta da mãe.

E é ainda mais difícil encontrar gémeos de morcegos siameses. Mas não significa que seja mais raro entre os morcegos do que nos outros mamíferos, de acordo com Scott Pedersen, professor de biologia e microbiologia da South Dakota State University, que não estava envolvido no novo estudo.

“Isto só quer dizer que os humanos descobriram morcegos siameses com menos frequência do que outros animais siameses”, destacou.

Mesmo que os morcegos siameses sobrevivam ao nascimento, é provável que morram logo depois, porque os seus corpos não conseguem sustentá-los, disse Pedersen. Os morcegos também tendem a viver em lugares inabitados por seres humanos.

E, como os morcegos têm hábitos noturnos, se os animais siameses nascerem durante o dia, o parto ocorre provavelmente num ambiente seguro para a mãe e para a sua ninhada, o que significa que as pessoas não o conseguem observar. “A mãe pode dar à luz ao ar livre, mas isso ocorre apenas durante a noite, quando os gémeos ficam escondidos pela escuridão” disse Urban.

Embora pouco se saiba sobre os órgãos dos morcegos siameses recentemente descobertos, os cientistas optaram por não usar métodos invasivos para investigar os corpos dos animais.

“É tão raro e precioso encontrar algo assim que não se pode fazer nenhum tipo de experiência destrutiva. Claro que estamos muito curiosos, mas pode haver apenas uma oportunidade para observar os animais sem danificar nada”, destacou o especialista.

“Então, pela investigação, os animais vão ficar guardados durante algum tempo, até que uma tecnologia mais recente nos permita prosseguir com a experiência sem danificar o que já temos “, adiantou Urban.