Durante quase três décadas, os físicos discutiram se uma misteriosa fase de transição, presente em modelos teóricos de materiais desordenados, também podia existir na vida real.
Com a ajuda da matemática emprestada da física de partículas e mais dezenas de páginas de cálculos algébricos feitos à mão, Sho Yaida, pós-doutorando na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, colocou um ponto final nesse mistério.
Se olharmos de perto para um cristal, vamos encontrar uma matriz ordenada de átomos, uniformemente espaçados. No entanto, se fizermos o mesmo com um pedaço de vidro, a imagem torna-se um pouco mais confusa, como uma pilha de areia aleatória.
A natureza altamente ordenada dos cristais torna-os bastante simples de entender matematicamente e, por isso, os físicos desenvolveram teorias que capturam todo o tipo de propriedades cristalinas, desde como absorvem o calor até o que acontece quando se quebram.
O mesmo não pode ser feito com os materiais vítreos, amorfos ou de outra forma “desordenados”, tal como o vidro das janelas e vasos, alimentos congelados e determinados plásticos. Não há teorias amplamente aceites que expliquem o seu comportamento físico.
As novas ideias de Yaida abrem a possibilidade de que alguns tipos de vidro possam existir num novo estado de matéria em baixas temperaturas, influenciando como respondem ao calor, ao som e ao stress e como e quando se quebram.
Infinito
Por mais conceituada que pareça, a matemática por detrás de vidros e outros sistemas desordenados é realmente muito mais fácil de resolver, se assumirmos que estes materiais existem num hipotético universo de dimensões infinitas.
Nesse caso, as suas propriedades podem ser calculadas de forma relativamente simples, da mesma forma que as propriedades dos cristais podem ser calculadas no nosso universo tridimensional.
“A questão é se esse modelo tem alguma relevância para o mundo real”, explica Patrick Charbonneau, professor de química e orientador de Yaida. Para os investigadores que realizaram estes cálculos, “a aposta era que, ao mudar a dimensão, as coisas mudariam lentamente o suficiente para que se pudesse ver como se transformam ao longo de um número infinito de dimensões até chegar a três”.
Uma característica desses cálculos dimensionais infinitos é a existência de uma fase de transição chamada “transição de Gardner”, em homenagem à física Elizabeth Gardner, que, se presente em vidros, poderia alterar significativamente as suas propriedades em baixas temperaturas.
A prova
Será que essa transição, claramente presente em dimensões infinitas, também existe em apenas três? Na década de 80, uma equipa de físicos produziu cálculos matemáticos que mostravam que não. Durante três décadas, o ponto de vista dominante manteve-se que essa transição, embora teoricamente interessante, era irrelevante para o mundo real.
Até que as recentes experiências e simulações feitas por Charbonneau e outros cientistas deram indicações da sua existência.
Yaida resolveu lançar uma nova perspetiva nas antigas provas matemáticas. Esses cálculos não conseguiram encontrar um “ponto fixo” em três dimensões, um pré-requisito para a existência de uma fase de transição.
Um mês e 30 páginas de cálculos depois, Yaida conseguiu. “Momentos como estes são a razão pela qual eu faço ciência”, afirmou. “É apenas um ponto, mas significa muito para as pessoas nesta área. Mostra que essa coisa estranha que as pessoas encontraram nos anos 70 e 80 tem uma relevância física para este mundo tridimensional”.
Depois de um ano de trabalho, além de mais de 60 páginas de cálculos de apoio, os resultados foram publicados na revista científica Physical Review Letters.
“O facto de que essa transição pode realmente existir em três dimensões significa que podemos começar a procurar seriamente por ela”, afirma Charbonneau. “Isso afeta a propagação do som, a quantidade de calor que pode ser absorvida, o transporte de informações. E se começamos a cortar o vidro, como irá quebrar e etc. Muda profundamente como entendemos os materiais amorfos em geral, sejam eles plásticos, pilhas de areia ou vidros”, conclui.
ZAP // HypeScience