100 anos da morte de Lenine, o revolucionário rejeitado pelo Kremlin

Wikimedia Commons

Vladimir Lenine

Em 21 de janeiro de 1924 falecia um dos homens que definiram o século XX. Putin e os seus atacam Lenine como “arquiteto da Ucrânia”, mas permanece um monumento para a União Soviética e para o poder imperial.

Na Rússia, o líder do proletariado internacional Vladimir Lenine é raramente lembrado: no dia do seu nascimento ou da sua morte — ou quando Vladimir Putin o menciona como “arquiteto da Ucrânia”.

Segundo o presidente russo, o país vizinho seria “o resultado da política bolchevique”. Em fevereiro de 2022, poucos dias antes de a Rússia iniciar a sua guerra contra a Ucrânia, Putin anunciou que iria precisar eliminar as consequências indesejadas das ações de Lenine — que se empenhou pelo direito das nações à autodeterminação e acreditava firmemente que as culturas nacionais se extinguiriam.

O Kremlin caracterizou o revolucionário, falecido em 21 de janeiro de 1924, como o “mau rapaz” que destruiu o grande e forte império russo.

Segundo o historiador austríaco Hannes Leidinger, coautor do livro “Lenin. Biographie. Neubewertung” (Lenine. Biografia. Reavaliação), essa personagem é profundamente malquista por Putin e o seu séquito precisamente pelo seu caráter revolucionário.
Lenine é o caos. Lenine é discórdia. Lenine é tudo o que a Rússia não quer na sua autoimagem”, explica. Além disso, “é criticado pela sua colaboração parcial com os alemães na Primeira Guerra Mundial, ou seja, com o inimigo”.

“E o motivo talvez mais importante da crítica é a sua política de nacionalidades. Apesar de protagonista na luta de classes, no fim estava convencido de que a unidade dos proletários de todos os países seria restabelecida, mas que por enquanto a questão das nacionalidades na União Soviética pedia uma solução federalista. E também nos seus discursos defendeu a autodeterminação. E agora isso é uma pedra no sapato de Putin.”

Na Rússia, Lenine foi retirado do pedestal, enquanto figura histórica. “Por outro lado, esse Lenine permanece um monumento para a União Soviética, para a expansão do império, para o poder imperial. E na luta pelos memoriais, justamente na Ucrânia ele volta a ter uma função que convém perfeitamente ao Kremlin”, explica Leidinger.

O morto-vivo segue vivo

Originalmente, o mausoléu de Lenine em Moscovo foi erguido apenas provisoriamente em 1924, para dar a todos que quisessem a oportunidade de se despedirem dele. Contudo, a despedida estendeu-se significativamente, e o líder está até hoje na Praça Vermelha. Por que é que a liderança russa não quer sepultá-lo?

“Lenine continua a ter um certo significado, não como político ou figura histórica, mas como símbolo da União Soviética“, responde Leidinger. Existe um mausoléu, mas já não ocorrem grandes cerimónias, é uma relíquia do passado, um monumento histórico. “Mas o principal é que Lenine se encontra ainda num limbo, como uma espécie de ‘morto-vivo’, entre a despedida definitiva e o seu papel de símbolo soviético. Portanto, Lenine não está totalmente morto.”

O livro “Lenin lebt. Seine Denkmäler in Deutschland” (Lenine vive. Os seus memoriais na Alemanha), publicado pela editora 8. Mai, é dedicado aos monumentos leninistas em solo alemão, alguns dos quais estão seriamente danificados e caíram no esquecimento. O seu autor, Carlos Gomes, nasceu em Portugal.

“Sempre tive um interesse pessoal e político na história soviética, acima de tudo na Revolução de Outubro, que tinha um grande potencial em relação aos direitos dos trabalhadores, das mulheres, anticolonialismo e até mesmo contra o antissemitismo”, confessa o autor português.

No entanto, fiquei bastante surpreendido ao descobrir um memorial a Lenine na Alemanha, há dez anos. Daí nasceu este projeto: então ele não desapareceu completamente no país”, sublinha.

O memorial que Gomes descobriu em 2014 fica em Wünsdorf, Brandemburgo, onde se localizava o quartel-general das tropas soviéticas na República Democrática Alemã (RDA), de regime comunista. A partir de então, decidiu investigar onde estariam preservadas outras homenagens ao líder russo, como mosaicos, estátuas, placas. Em 2023, o seu livro foi relançado em edição ampliada, com novos achados.

“Pessoalmente, impressiona-me o monumento diante da antiga casa de oficiais em Wünsdorf. Ele manteve a sua antiga força e irradiação, mas ao mesmo tempo fica claro que o tempo não passou por ele sem deixar marcas.” Hoje, essa é a maior estátua de Lenine da Alemanha, pois outras grandes foram retiradas dos seus pedestais.

Depois de Lenine, Estaline

Entre os memoriais leninistas em solo alemão, alguns foram trazidos da União Soviética para a Alemanha pela Wehrmacht, as Forças Armadas nazistas, a fim de serem fundidos e utilizados como matéria-prima para a indústria armamentista. Para Gomes, “essas estátuas não lembram apenas Lenine, mas também os crimes da Segunda Guerra Mundial”.

Sobre Vladimir Lenine (1870-1924) escreveram-se milhares de livros e dissertações. Tanto Leidinger como Carlos Gomes concordam num ponto: não transformou apenas a Rússia, mas todo o mundo, dedicando-se com fanatismo a uma ideia e subordinando tudo à sua volta à realização dela, sem se importar com perdas.

No geral, acho que a União Soviética é obra de Lenine. Ele lançou a pedra fundamental para a construção desse Estado. Josef Estaline, não é, no fundo, uma deturpação ou algo diferente, mas sim uma sequência lógica de Lenine”, afirma Hannes Leidinger.

“A decisão sobre para onde e por que caminhos esse país seguiria, foi tomada em outubro de 1917. Depois da tomada de poder, a questão era manter o poder.” O caminho já fora pré-traçado para muitos anos: embora gravemente doente, Lenine não tomou nenhuma decisão sobre o seu sucessor.

“De certo modo, isso repete-se sempre. A liderança partidária, um pequeno grupo, é sempre obrigada a decidir quem deve guiar o país depois da morte de um líder que não preparou o seu próprio substituto”, conclui o biógrafo austríaco.

// DW

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.