Um coletivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli condenou, esta quinta-feira, o casal de portugueses Tiago e Fong Fong Guerra a oito anos de prisão efetiva e ao pagamento de uma indemnização de 859 mil dólares – quase 730 mil euros – por peculato.
Depois de vários atrasos e adiamentos, a juíza Jacinta Costa, que preside ao coletivo de juízes que ouviu o caso, leu o acórdão durante uma audiência que decorreu esta quinta-feira, com duas interrupções, na sala principal do tribunal de primeira instância em Díli.
O tribunal declarou os dois arguidos coautores do crime de peculato – desvio de dinheiro público por funcionários – e absolveu-os pelos crimes de branqueamento de capitais e falsificação documental de que eram igualmente acusados.
“Os arguidos prejudicaram as finanças e a economia do Estado, e defraudaram o Estado de Timor. Atuaram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei e que eram criminalmente puníveis”, disse a juíza que esteve durante mais de quatro horas a ler o acórdão da acusação.
O Ministério Público tinha pedido uma pena de prisão de oito anos pelos crimes e a defesa tinha pedido absolvição.
O casal já se pronunciou sobre a decisão do tribunal de Díli, dizendo que “esta mentira” lhes roubou a vida, assim como à das suas “crianças, família e a confiança das pessoas que amam o país”.
“Nada temos para devolver a Timor-Leste. Porque nada roubámos, não temos nem nunca tivemos em nossa posse nenhum valor nem nada que pertença a Timor. Tudo o que temos e tivemos é do conhecimento do tribunal, comprovado por documentos emitidos pelas devidas entidades e autoridades”, notam ainda.
O casal está retido há quase três anos em Díli, impossibilitado de sair do país tendo vivido a quase totalidade desse período – enquanto aguardavam pelo julgamento – longe dos filhos que estão com os avós em Portugal.
“A Justiça Timorense já nos tirou três anos de vida, a nossa saúde, a nossa estabilidade emocional e económica e, principalmente, o bem-estar da nossa família e dos nossos filhos”, escrevem.
Na nota o casal considera-se bode expiatório num processo em que “a verdade deixou de ser relevante” e em que por ser “preciso culpar alguém” se escolheram os dois portugueses.
Tiago e Fong Fong Guerra, que assinam a declaração, explicam que sempre confiaram que o Tribunal de Díli “veria claramente que a história criada pelo Ministério Público não corresponde à verdade”, como dizem ter-se demonstrado no julgamento.
“Nenhuma prova incluída no processo, nem nenhuma testemunha corroborou a tese criada pelo Ministério Público ou confirmou qualquer dos factos que alega. Somos inocentes e o tribunal tem em sua posse as provas dessa inocência”, escrevem.
O casal Guerra diz que nos últimos anos sempre fez tudo para colaborar com a justiça, fornecendo todos os documentos que comprovam a sua inocência, acabando por ser confrontados com uma sentença que “segue exatamente a história montada pelo Ministério Público, nuns casos ignorando as provas documentais e, noutros, fazendo interpretações dos documentos sem qualquer sentido”.
“Esta decisão do tribunal de Díli é chocante para nós. Temos a forte sensação que estamos a ser acusados, perseguidos e discriminados por termos tido a má sorte de nos cruzarmos com um burlão profissional que a todos enganou, incluindo a nós, e é preciso um bode expiatório”, refere, confirmando que vão recorrer do caso.
Os dois portugueses foram julgados pelos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental sendo central ao caso uma transferência de 859 mil dólares (792 mil euros), feita em 2011 a pedido do consultor norte-americano, Bobby Boye.
Boye foi um consultor pago pelo governo norueguês e posteriormente pelo governo timorense e que chegou a ser coarguido neste processo.
O tribunal deu como provado todos os factos da acusação considerando que os arguidos pretendiam com esta operação apropriar-se do dinheiro, dissimulando-o como fundos próprios para exonerar-se da sua responsabilidade criminal.
Considerando falso o alegado conluio com Boye, o casal diz que ter sido “enganado e usado” pelo consultor, da mesma forma que foram os Governos da Noruega e de Timor-Leste.
“O mais inacreditável é que, segundo os autos do processo, quem apresentou a denúncia deste caso ao Ministério Público foram as mesmas pessoas responsáveis pelo contrato de Bobby Boye, que junto com outros funcionários do Ministério das Finanças estavam informadas sobre tudo o que ele fazia, enquanto nós nada soubemos do que se passava até tudo vir a público. Como é possível sermos nós, que nada sabíamos, acusados e condenados?”, escreve, referindo-se a um processo que consideram “kafkiano”.
ZAP // Lusa