A televisão australiana ABC TV noticiou que efetivos das forças especiais do país (SAS) foram acusados de manter um centro de interrogatório secreto em Timor-Leste, em setembro de 1999, onde terão alegadamente torturado 14 membros das milícias.
A denúncia foi feita numa reportagem, a transmitir hoje, em que foram ouvidos 11 dos 14 detidos como suspeitos de serem milícias pró-indonésias, de acordo com os quais foram despidos, agredidos, privados de comida, água e sono, e obrigados a olhar para os corpos mutilados de dois membros das milícias.
A reportagem do programa Four Corners indicou que o tratamento do grupo, que incluía menores, em outubro de 1999, levou investigadores militares australianos a recomendar acusações de tortura contra os soldados da SAS. Estes militares pensaram tratar-se de um “alvo de alto valor”, mas enganaram-se na identificação, acrescenta.
Do grupo faziam parte três menores, agricultores e um homem com deficiência auditiva que disseram terem sido torturados durante vários dias pelos australianos, continuando a sentirem-se traumatizados pelas agressões infligidas.
Segundo o Four Corners, o tratamento chocou muitos dos soldados que o testemunharam e levou a uma investigação secreta conduzida pelas forças militares da Nova Zelândia.
O incidente ocorreu nas primeiras semanas do destacamento da força internacional, Interfet, liderada pelo general Peter Cosgrove, e onde foi particularmente significativa e aplaudida a participação de militares australianos.
O programa afirmou que o grupo de 14 pessoas foi erradamente relacionado com uma emboscada de milícias a militares australianos, ingleses e neozelandeses na zona de Suai. Nessa emboscada morreram dois milicianos e dois soldados australianos feridos.
Antes da emboscada, os militares internacionais tinham montado um posto de controlo que um camião tentou atravessar à força, levando os soldados a disparar, ferindo quatro timorenses.
Estes quatro, juntamente com outros dez homens, que as forças especiais suspeitavam de serem milícias, foram levados para Díli, para serem interrogados e acabaram por ser, erradamente, relacionados com a emboscada que aconteceu posteriormente.
Os 14 não estiveram envolvidos e tinham sido detidos horas antes da emboscada.
À chegada a Díli, afirmou a reportagem, foram vendados e algemados, com quatro feridos levados para o hospital e os restantes dez colocados num centro de interrogatório secreto, dirigido pela Austrália, no heliporto da capital.
“Era um centro secreto, que não existia oficialmente”, disse um capitão da polícia militar aos investigadores.
Ao longo de 72 horas, foram submetidos a repetidos interrogatórios por agentes dos serviços secretos australianos que tentaram obter confissões sobre membros e atividades de milícias.
Durante os interrogatórios, os homens foram mantidos vendados e forçados a sentar-se de pernas cruzadas com as mãos atadas numa tenda militar e com um calor sufocante, indicou a reportagem.
“Estes homens eram todos muito pequenos e estavam aterrados. Tinham medo de nós”, disse o sargento dos serviços secretos Michael Clarey, encarregado de guardar os detidos nas primeiras horas no heliporto.
Os corpos dos dois membros das milícias mortos na resposta à emboscada acabaram por ser trazidos para o mesmo local e depois mostrados aos detidos, para os amedrontar.
“É um pouco difícil descrever toda essa combinação de cheiro a sangue, cadáveres, medo, raiva, calor, 30 graus, 90% de humidade, muito pouca ventilação”, disse ao Four Corners o agente dos serviços secretos Matthew Coombes, que observou alguns dos primeiros interrogatórios táticos dos detidos.
Entre as testemunhas ouvidas, o Four Corners falou com o agricultor Valdemar de Neri, que tem deficiências de fala e audição, e foi ouvido pelo oficial da polícia militar australiana Karl Fehlauer. “Foram muito intensos com ele. Como não conseguia ouvir o que diziam, pensaram que era altamente treinado ou algo assim. E demoraram algum tempo a perceber qual era o problema”, disse.
Quando finalmente foi transferido para o centro de detenção oficial, um oficial da polícia militar que o recolheu do heliporto escreveu, num diário, que “o homem estava morto de medo”.
Um outro detido, Júlio da Silva, que na altura tinha apenas 16 anos, afirmou: “eles torturaram-nos”. Júlio da Silva explicou que foi esmurrado, agredido com armas nas costas e ao pontapé, acrescentando que negaram água e comida ao grupo.
Um dos feridos, inicialmente levado para o hospital, foi arrastado à força para o centro de interrogatório secreto, explicando que ficou ali com “ferimentos graves” pelo menos dia e meio.
Ao tomar conhecimento das alegações de maus tratos, o comandante da Interfet, Peter Cosgrove, ordenou uma investigação imediata, tendo ouvido do responsável do centro de interrogatório que “os detidos foram tratados de forma humana e de acordo com as orientações descritas nas Convenções de Genebra”, pelo que o caso foi encerrado.
// Lusa