Site para denúncias de abortos no Texas inundado por memes, falsos testemunhos e pornografia

Sergio Flores / Getty Images

Já desde Maio que a nova lei tem motivado protestos. “Os vossos mitos não têm lugar nas leis de uma nação secular”, lê-se num dos cartazes

Ativistas pró-escolha antecipam que os estados dominados por republicanos copiem a iniciativa legislativa do Texas, o que iria representar um retrocesso histórico nos direitos reprodutivos femininos. Site criado para denúncias anónimas não está a cumprir as intenções iniciais.

Depois de esta semana a legislatura estadual do Texas ter aprovado uma lei que criminaliza o aborto a partir das seis semanas mesmo em situações de violação ou incesto, alguns estados dominados por maioria republicana preparam-se para lhe seguir o exemplo, como é o caso da Florida, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Mississipi, Indiana ou Arkansas, de acordo com declarações dos seus oficiais.

Ali Taylor, uma ativista pelo direito ao aberto, disse ao The Guardian que o seu grupo, a Arkansas Abortion Support Network, estava pronta para lutar e defender o direito das mulheres caso uma lei semelhante avance no seu estado. “Uma legislação semelhante à do Texas vai magoar as mulheres do Arkansas que precisem de fazer um aborto e nós não iremos aceitar isso. A luta está longe do fim“, afirmou.

Taylor também revelou que caso a legislação avance, o seu grupo continuará a providenciar apoio e opções legais para as mulheres nesta situação. “Isto irá incluir ajudar as mulheres a efetuarem abortos antes das seis semanas, mas também ajudá-las a viajar até outros estados quando o tempo de gestação ultrapasse o limite imposto pela legislação. Não seremos intimidadas!”

Kristian Ford, vice-presidente do departamento de comunicação e investigação da Naral Pro-Choice America condenou a rapidez e urgência dos referidos estados para tentar a implementação de legislação semelhante à do Texas.

“Esta é a ameaça mais urgente e aguda ao aberto legal desde que o Roe foi decidido há meio século” — numa referência à disputa Roe contra Wade que aconteceu no Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América e que decretou a legalidade do aborto em todo o território norte-americano e determinou o direito ao aborto antes da sobrevivência do feto ser assegurada fora do útero, normalmente, por volta das 24 semanas.

Ford atribuiu as novidades legais ao crescimento da extrema direita no país e à predominância desta retórica em alguns estados. “A direita radical está há décadas a trabalhar para dizimar a liberdade reprodutiva e travar o progresso social. Mas eles não representam os valores dos americanos, já que oito em dez apoiam o aborto seguro e legal e tentar implementar esta legislação hedionda vai contra a opinião pública”, explicou.

TikTokers invadem site de denúncias

Para além da nova legislação estabelecer a ilegalidade do aborto em gravidezes para além das seis semanas, esta também abre caminho a denúncias anónimas contra mulheres que interrompam as gestações e ou quem com elas colabore, sejam clínicos ou familiares. Para este efeito, foi criado um website. No entanto, as intenções dos representantes do Texas não está a surtir os efeitos desejados, já que a plataforma foi invadida por falsos relatos, memes do filme Shrek e até por pornografia.

A iniciativa terá partido de jovens utilizadores do TikTok e do Reddit que se uniram para tentar inviabilizar o acesso ao website — que apesar de ter sido lançado há um mês, só começou a receber mais atenção dos utilizadores depois da legislação ter sido aprovada. Um dos utilizadores do TikTok afirmou ter conhecimento de 742 denúncias de abortos contra Greg Abbott, governador do estado.

Há ainda relatos de indivíduos que programaram códigos e desenvolveram shortcuts para gerar milhares de denúncias diárias. Os administradores do website têm feito os possíveis para bloquear esta tendência, com alguns utilizadores a reportar bloqueios de acesso através dos seus IP’s.

Em junho de 2020, uma mobilização semelhante aconteceu a propósito de um comício de Donald Trump, o primeiro pós-pandemia, em que foram requiridos ingressos para o evento, apesar dos utilizadores não terem intenção de comparecer. O acontecimento motivou a demissão do então diretor de campanha de Trump, que havia anunciado a presença de mais de um milhão de pessoas.

A questão da nova legislação estadual também marcou a conferência de imprensa diária de Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca. Quando questionada por um jornalista sobre a posição de Joe Biden em relação ao assunto, Psaki ripostou, dizendo ao repórter que a matéria diz unicamente respeito às mulheres e aos seus corpos, pelo que a decisão deve sempre ser destas. Finalmente, concluiu com um “eu sei que nunca teve de enfrentar essas questões nem nunca esteve grávido“.

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