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Sinead O’Connor: Angola e Moçambique substituídos por alerta sobre abusos sexuais na Igreja… em 1992

Pymouss / Wikimedia

Sinéad O’Connor

Os dois países desapareceram da letra de uma música, quando a cantora rasgou uma fotografia do Papa João Paulo II.

Em semana de Festival Eurovisão da Canção, recordamos um momento insólito, mas sério, protagonizado por uma cantora da República da Irlanda – o país que venceu mais vezes (7) esse certame.

Sinéad O’Connor é muito conhecida por causa da música Nothing Compares 2 U (que nem é dela, é uma versão de um original de Prince), que liderou as vendas de singles em muitos países. Foi mesmo o single com mais sucesso no planeta em 1990, segundo a Billboard.

Mas a irlandesa protagonizou diversos momentos “eternos”. Nada que se compare com aquela música, mas ficaram na memória de muita gente, por outros motivos.

Um deles decorreu durante uma emissão do Saturday Night Live, famoso e premiado programa de televisão nos EUA, que ainda existe.

Estávamos em 1992 e Sinéad apareceu no programa para cantar a cappella War, popularizada por Bob Marley ainda na década 1970.

Um poema baseado num discurso do imperador da Etiópia, Haile Selassie, na ONU, em 1963. E que refere o Estado Novo, a ditadura portuguesa, quando menciona “o regime ignóbil e infeliz que agarram os nossos irmãos em Angola, em Moçambique”.

Mas, nesta versão, Angola e Moçambique desapareceram da letra para dar espaço ao verso “abuso sexual”.

Nos últimos compassos, quando cantava “temos confiança na vitória do bem sobre o mal”… fez isto:

Sinéad O’Connor rasgou uma fotografia do Papa na altura, João Paulo II. E gritou: “Lutem contra o verdadeiro inimigo!”.

Estava a deixar um alerta sobre os abusos sexuais na Igreja, que já eram notícia na Irlanda (e não só) há 30 anos. Um protesto em directo, perante milhões de telespectadores.

Pouco antes, e voltando à letra da canção, a irlandesa já tinha dado o tom de alerta, ao substituir outro verso original: “nós, africanos, lutamos” por “crianças, lutem”.

Quando se instalou um silêncio confrangedor, a irlandesa apagou as velas e seguiu para o camarim do estúdio da NBC. A sua agente foi atrás dela e avisou: “Não te consigo tirar desta alhada”. Sinéad respondeu: “Sabes que mais? Não quero que me tires desta alhada”.

A NBC proibiu – para sempre – a presença de Sinéad O’Connor nos seus programas, jovens perseguiram-na pela rua para a atingir com ovos, Madonna e Frank Sinatra (entre muitos outros) criticaram-na publicamente.

No ano passado, recordou esse momento: “Tinha encontrado um artigo sobre famílias que foram silenciadas, quando tentaram apresentar queixas contra a Igreja por abuso sexual”.

“Basicamente, tudo em que fui criada para acreditar era mentira”, lamentou a cantora, agora aos 55 anos.

“Tentaram enterrar-me mas não perceberam que eu era uma semente. Partiram o meu coração e mataram-me, mas eu não morri”, lembrou, citada no Sunday World.

Duas semanas depois, Sinéad O’Connor foi uma das convidadas para participar no concerto de Bob Dylan. Isto foi o que aconteceu no Madison Square Garden:

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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