Nova prótese é capaz de “hackear” o cérebro e resgatar memórias específicas

Um grupo de neurocientistas conseguiu “hackear” os caminhos da memória do cérebro através de um sistema proteico. Esta descoberta poderá ajudar-nos a recordar memórias específicas, bem como recuperar a memória perdida na doença de Alzheimer.

O nosso cérebro não é perfeito e, por vezes, é difícil lembrarmo-nos de determinadas situações. Será que desligamos o fogão antes de sair de casa? Será que desligamos as luzes do carro?

São várias as situações do quotidiano em que seria bom conseguir recordar alguns momentos.

Além destas situações pontuais, há determinadas condições de saúde associadas à perda de memória em que seria importantíssimo aceder a recordações, como o caso da doença de Alzheimer, perda de memória associada a um acidente vascular cerebral ou a um traumatismo cranioencefálico.

Uma nova investigação, realizada pela Wake Forest University (WFU) e pela Universidade do Sul da Califórna (USC), promete agora ter a chave para este problema e ajudar as pessoas e recordar imagens específicas com maior facilidade.

Esta nova técnica tem por base a estimulação elétrica e magnética do cérebro, que permite estimular o desempenho cognitivo. Desta forma, é possível fazer “zapping” cerebral e viajar até memórias distantes.

“Aqui destacamos não só uma técnica inovadora de neuroestimulação para melhorar a memória, como também demonstramos que essa técnica pode ser utilizada para obter informações específicas”, explica o autor principal do estudo, Brent Roeder, publicado na Frontiers in Computational Neuroscience.

O grupo de investigação liderado por Roeder tem vindo a realizar experiências em pacientes com epilepsia. Em estudos anteriores, os investigadores conseguiram implantar elétrodos no cérebro e localizar o epicentro das crises epiléticas.

Através destes implantes neuronais, é possível estimular o cérebro e ajudá-lo a recuperar memórias.

Em 2018, o grupo de investigação testou um conjunto de implantes neuronais e pediu-lhes que “escrevessem o código” de informação do hipocampo, o local no cérebro onde as memórias são armazenadas. Estes códigos foram então usados para desenhar um padrão de atividade neuronal associado à lembrança de informações.

Posteriormente, e com estes códigos, os autores do estudo desenvolveram um modelo de computação que observa a atividade cerebral de uma pessoa enquanto esta está a tentar descobrir padrões que se alinhem com a memória de uma imagem específica. Como, por exemplo, quando estamos a recordar o nosso dia de forma cronológica, para conseguir recordar um momento em específico.

Numa destas experiências, realizou-se um teste de memória visual. A partir dos resultados obtidos, o modelo de computação gerou padrões de estimulação para cada indivíduo e estes padrões foram associados à memória de determinadas imagens de animais, edifícios, plantas, ferramentas, veículos, etc.

Quando estes códigos neuronais foram aplicados de forma artificial no hipocampo, os participantes do estudo foram capazes de combinar as imagens previamente observadas em cerca de 22% dos casos, um valor relativamente baixo.

No entanto, os resultados saltaram para 38% quando ambos os hemisférios do cérebro foram estimulados, em participantes com problemas de memória.

“O nosso objetivo é criar uma abordagem capaz de restaurar a memória perdida em situações de Alzheimer, acidente vascular cerebral e traumatismo cranioencefálico. E com esta experiência descobrimos que os melhores resultados foram obtidos precisamente em pacientes com problemas de memória”, explica Roeder.

Os investigadores afirmam que as suas descobertas são claramente indicativas e que esta forma de estimulação cerebral profunda “tem potencial para ser usada e promete mudar significativamente a memória”. No entanto, há ainda vários desafios a enfrentar.

Um exemplo é conseguir encontrar “códigos estáticos” para memórias individuais. Ainda que um determinado código tenha funcionado para melhorar a memória, tal como aconteceu nesta experiência, não se sabe exatamente que componente da categoria dessa imagem corresponde aos padrões neuronais que esta está a codificar.

“Por exemplo, numa imagem de uma casa com uma árvore – o foco principal pode tanto ser a casa como a árvore”, explicam os autores do estudo. “A própria posição da árvore pode interferir no foco principal da imagem.”

Além disso, o foco da imagem pode diferir de pessoa para pessoa e ao longo do tempo, para o mesmo indivíduo.

Os investigadores prometem continuar a trabalhar neste modelo e perceber qual é a informação mais básica que o hipocampo consegue codificar e recuperar. Além disso, pretendem também testar se os padrões de memória de um indivíduo podem ser usados para testar a memória noutra pessoa.

Se isto for possível, significa que o sistema proteico de memória é capaz de “escrever” um código de memória de raiz, em vez de apenas “reforçar” um código já existente.

“Cada uma destas questões vai permitir-nos avançar e desenvolver uma prótese de memória que funcione com base em características gerais de codificação de memória e que são comuns entre pacientes, mas específicas o suficiente para facilitar a retenção de conteúdos de memória pessoais”, conclui o neurocientista.

Patrícia Carvalho, ZAP //

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