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Produtores “comidos” por Pingo Doce. Marca branca ameaça negócios

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Agricultores têm o negócio dificultado quando entram em cena as marcas brancas, que lhes fazem concorrência. Jerónimo Martins nega prejudicar negócios: é “um dos maiores compradores de produtos alimentares a fornecedores portugueses”.

Um mau ano agrícola colocou a Vale da Rosa, produtora de uvas sem grainha, em Processo Especial de Revitalização (PER), numa tentativa de renegociar o pagamento das suas dívidas com os fornecedores, conta a CNN.

“O nosso maior cliente fechou-nos a porta à boca da campanha”, disse ao Jornal de Negócios o empresário António Silvestre Ferreira. “Estamos a sofrer muito com isso, porque não estávamos preparados”. Refere-se ao Pingo Doce, do grupo Jerónimo Martins.

A Jerónimo Martins respondeu ao comentário, garantindo que a redução de encomendas e a sua opção por produção da sua própria “marca branca” não levaram a Vale da Rosa à situação financeira que enfrenta, sendo a afirmação de Silvestre Ferreira “totalmente falsa e enviesada”.

No entanto, este é apenas um dos muitos casos sentidos pelos produtores da indústria alimentar, face à incursão da Jerónimo Martins nesta indústria.

Luísa Almeida, fundadora do projeto de agricultura biológica Quinta do Arneiro, escreveu no Instagram: “Serão os agricultores ‘comidos’ pela grande distribuição que, munida de capital milionário, começa a ‘deitar fora’ os que até agora eram seus fornecedores, passando a concorrência direta? Se é legal? Claro. Se é ético? Não”.

“No meio em que vivo, o biológico, tenho fornecedores que fecham porque não aguentam a pressão. Acaba por ser uma política de terra queimada. Para nós que estamos aqui, é muito assustador”, diz a empresária à CNN.

Firmino Cordeiro, diretor-geral da Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP), confirma: Não há qualquer organização de produtores que consiga resistir à pressão que é feita nos preços. Atropelam sempre quem se mete no caminho. Não concordamos, mas podemos fazer alguma coisa? Muito pouco, porque não temos muitas formas de vender e comercializar os nossos produtos”.

“Por mais que digam que são amigos da produção, só são amigos do seu próprio negócio. Há muita exploração que pode sofrer se isto virar moda. O que eles produzem, deixam de comprar à produção nacional”, lamenta.

E o problema já se estende há algum tempo. A lógica é simples: produção em grande escala permite preços mais competitivos. A solução já não é assim tão simples.

Há algumas, e “as cidades tão a recuperar mercados e a tentar feiras para os pequenos produtos. É uma forma mais moderna de recuperarmos a tradição”. Criar uma identidade é essencial.

“Fomos demasiado permissivos, não criámos uma legislação que tenha maior controlo, que nos permita a todos coexistir. Só coexistem os grandes”, lamenta o presidente da AJAP.

“Estamos numa era em que o intermediário é que ganha dinheiro. Depois de esmagarem os produtores, numa guerra que é antiga, foram crescendo as margens. Se o agricultor não tem hipótese de criar marca e de dar um valor acrescentado aos seus produtos, fica à mercê da distribuição”, diz Firmino Cordeiro.

No entanto, uma fonte oficial do Pingo Doce dá outra perspetiva: “As companhias do grupo Jerónimo Martins, no seu conjunto, são um dos maiores compradores de produtos alimentares a fornecedores portugueses. Num ano, comprámos cerca de quatro mil milhões de euros destes produtos”.

Dá alguns exemplos: compra “anualmente 100 milhões de litros de leite a mais de 20 produtores em todo o território continental”, e adquire “por ano mais de 10 mil animais a mais de 50 produtores nacionais”.

“A nossa atividade de produção agroalimentar está a ser desenvolvida em terras que, na sua quase totalidade, estavam anteriormente abandonadas, expostas a elevado risco de incêndio e sem qualquer contribuição para a dinamização da criação de emprego nas regiões e das economias locais”, escreve o grupo.

ZAP //

6 Comments

  1. Sem dúvida que o negócio da grande distribuição nacional está limitada a cerca de meia dúzia de entidades gigantescas, que esmagam todos os pequenos negócios. A lei e o volume de mercadoria que movem permitem-lhe fazer quase tudo, seja junto do fornecedor, seja junto do consumidor.
    E a concentração continua a aumentar.
    Com os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.
    E navega o navio…!

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  2. Claro, esperavam o quê? Quando o solidificarem o mercado e tiverem assim poder para ditar as regras, esmagam a concorrência. Estavam à espera de quê? Venderam a alma ao diabo e agora elas fazem o que quiserem dos produtores. Ninguém deveria deixar-se ficar dependente mas acham sempre que só vai correr mal ao outros.

  3. Em portugal é a lei do mais forte, versos capitalista, os pequenos, ou se reinventam ou asfixiam, no caso a segunda é a mais viavel. Porque não vao às feiras expor os produtos e vendelos directamente é que o hábito faz o monge e com o tempo quem sabe o dano que podem causar.

  4. «…Vou fazer um apelo, como fizemos com os gangues no início de 2019 em que dissemos para pararem de matar pessoas ou não reclamarem do que acontece depois.
    Bem, vou fazer um apelo aos importadores, distribuidores e grossistas de alimentos: parem de abusar do Povo de El Salvador ou não reclamem do que acontece depois. Não estamos a brincar. Espero que os preços caiam amanhã ou haverá problemas…» – Nayib Bukele, Presidente de El Salvador

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  5. Também há uns anos atrás existiam empresas que vendiam eletrodomésticos e afins, depois apareceu a Worten, a fnac, a staples, a RP, etc…. Alguém se queixa, não! E os agricultores estavam à espera do quê?

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