Uma investigação recente revela que quatro em cada dez passageiros nos Estados Unidos admitiram nem sempre desligar seus aparelhos eletrónicos nos aviões.
Um caso famoso foi o do ator Alec Baldwin, que reagiu furiosamente no Twitter depois de ter sido retirado de um voo entre Los Angeles e Nova Iorque por se recusar a parar o jogo Words With Friends no telemóvel.
De acordo com as regras tradicionais – que nos últimos anos já começam a mudar – o uso de aparelhos eletrónicos portáteis não é permitido abaixo de três mil metros de altitude, mesmo em “modo de voo”, que impede a transmissão de sinais. Acima dessa altitude, aparelhos como laptops e leitores de MP3 podem ser usados, mas os telemóveis precisam permanecer desligados.
A explicação é que essas regras são importantes para evitar uma interferência potencialmente perigosa entre os sinais desses equipamentos e os sistemas eletrónicos a bordo.
Mas será que esse receio tem fundamento científico? Ou será que está na hora de esquecer essas regras?
Sistema equilibrado
O medo de uma interferência vem do fato dos aparelhos ligarem-se à Internet e às redes móveis usando ondas de rádio. Peter Ladkin, professor de Redes e Sistemas de Distribuição da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, explica que num avião centenas de sistemas eletrónicos, conhecidos como aviónicos, são usados para a navegação, para a comunicação com o solo e para manter ativos os componentes que sustentam o veículo no ar.
Alguns sistemas envolvem sensores que enviam informações para instrumentos do cockpit, e os sinais dos telemóveis poderiam interferir nessa comunicação, assim como e-readers, tablets, laptops e consolas portáteis. Todos emitem ondas de rádio e, caso as suas frequências sejam próximas às dos aviónicos, sinais e leituras poderiam ser comprometidos.
Isso afetaria sistemas como radares, comunicações e tecnologia para evitar colisões. O problema pode potencialmente aumentar se os aparelhos estiverem danificados e passarem a emitir ondas mais fortes, ou ainda se os sinais de vários aparelhos se combinarem.
Mas existem provas de que isso pode ser um problema?
A verdade é que não há registos de nenhum acidente aéreo que tenha sido identificado como tendo sido provocado por interferências desse tipo.
No entanto, as causas de alguns acidentes podem permanecer desconhecidas para sempre. Uma caixa negra pode não identificar que um sistema crítico falhou por causa da interferência eletromagnética dos aparelhos dos passageiros.
Enquanto não se tem uma prova definitiva da segurança, há vários casos que demonstram que os riscos têm que ser encarados com seriedade.
No ano passado, dados compilados pelo Sistema de Relatórios de Segurança em Aviação dos Estados Unidos, uma base de dados mantida pela NASA, mostraram 50 casos de problemas de segurança que teriam sido provocados por aparelhos eletrónicos pessoais.
Uma análise dessa base de dados em 2006 identificou 125 relatos de interferência de eletrónicos, dos quais 77 foram definidos como “altamente correlacionados”.
Numa ocasião, um erro de 30 graus em um equipamento de navegação foi imediatamente corrigido depois de um passageiro desligar um leitor de DVD portátil, a pedido da tripulação. O problema reapareceu quando o aparelho foi ligado novamente.
Em outro relatório, a Associação de Transporte Aéreo Internacional (IATA, na sigla em inglês) identificou 75 incidentes isolados de possível interferência eletrónica que, segundo pilotos, foram causados por telemóveis e outros aparelhos eletrónicos, entre 2003 e 2009.
Vantagem competitiva
No competitivo mundo da aviação, algumas companhias aéreas já começaram a anunciar a adoção de tecnologias de voo que permitirão um uso maior de telemóveis durante o voo.
Sistemas de rede nos voos, como o OnAir e o AeroMobile, usam estações de base em miniatura, chamadas picocélulas, que permitem que os aparelhos façam transmissões em baixa potência.
Essas transmissões são processadas, enviadas para um satélite e depois seguem para as redes normais em solo.
Segundo o CEO da AeroMobile, Kevin Rogers, isso permite a utilização de telemóveis “como um serviço de roaming”. No entanto, as leis autorizam as chamadas durante o voo, mas não na descolagem nem no pouso. “Como ainda é difícil provar categoricamente que não há interferências, as companhias aéreas preferem adotar medidas mais conservadoras”, diz Rogers.
Richard Taylor, porta-voz da Autoridade de Aviação Civil do Reino Unido acredita que o uso generalizado dos telemóveis em aviões é uma questão de tempo, mas duvida que seja autorizado nos procedimentos de subida e descida dos veículos.
“Quando agências reguladoras como nós forem convencidas de que um avião pode operar com segurança mesmo com aparelhos eletrónicos ligados dentro da cabine, é possível que a legislação seja suavizada”, afirma ele. “Mas caberá aos fabricantes, e, claro, às companhias aéreas, provar que seus voos são seguros.”
Talvez esse dia esteja próximo. No entanto, conhecendo a dificuldade de provar definitivamente que os aviões estão protegidos da interferência, é melhor assegurar-se que põe o telemóvel em modo de voo antes de descolar.
ZAP / BBC