Os humanos não são os únicos animais a usar a memória para resolver problemas

ZAP // Dall-E-2

Pela primeira vez um animal não humano demonstrou ter a capacidade de recordar eventos do seu passado e de os utilizar para responder a uma questão inesperada no momento presente.

Esta descoberta provém de uma investigação que teve início há 6 anos e que poderá fornecer importantes informações sobre a perda de memória.

A capacidade que o ser humano tem para recordar eventos específicos ou uma série de experiências passadas é designada por memória episódica.

Há vários momentos importantes da nossa vida que ficam cristalizados na memória – seja uma festa de aniversário, um casamento ou até o local onde estacionamos o carro nessa manhã.

Todos estes tipos de informação fazem parte da memória episódica, à qual podemos aceder momentos mais tarde. Através de vários estudos percebeu-se que alguns animais também possuem algum tipo de memória.

Um estudo publicado na revista Current Biology em 2018 pela Universidade de Indiana foi o primeiro a sugerir que os ratos pudessem também reproduzir uma série mental de eventos do passado, tal e qual como os seres humanos.

A mesma equipa de investigação, que tem continuado a estudar este tema, descobriu agora que estes roedores não só conseguem aceder a essas memórias, como são ainda capazes de as utilizar no momento presente para benefício próprio.

Numa primeira análise, poder-se-á pensar que os ratos não são o modelo animal mais óbvio para realizar este estudo. Os primatas poderão parecer, à primeira vista, uma aposta mais certeira, dada a sua ligação ancestral com o ser humano.

Mas Cassandra Sheridan, autora de um novo estudo, publicado a semana passada também na Current Biology, discorda desta perspetiva.

“O uso de ratos pode-nos ajudar a aprofundar conhecimentos no campo da memória, permitindo-nos identificar e medir padrões e mudanças de comportamento que são mais complexos do que os modelos de ratinhos.

Além disso, este modelo é útil para testar tratamentos para o Alzheimer antes de estes chegarem à fase de estudos clínicos”, explica Sheridan.

Em conjunto com o professor Jonathon Crystal, que supervisionou o estudo anterior em 2018, o grupo de investigação de Sheridan recriou uma experiência onde se exigia aos ratos que estes usassem o seu nariz e a sua memória episódica.

Numa primeira fase da experiência, os investigadores apresentaram a um grupo de ratos um conjunto de especiarias, como canela e paprika.

Cada especiaria foi apresentada aos ratos de forma individual. De seguida, os ratos passaram por um teste de avaliação de memória onde tiveram de escolher o penúltimo cheiro que tinham sentido com base em dois aromas mostrados.

Por fim, os ratos foram então colocados num labirinto radial que continha recipientes de especiarias com tampas perfumadas. Depois de farejarem o labirinto, estes tiveram de, mais uma vez, identificar o penúltimo cheiro da lista original.

A experiência só teve de ser realizada apenas uma vez já que cada rato respondeu corretamente à pergunta no labirinto, o que se traduziu numa surpreendente taxa de sucesso de 100%.

“O que queríamos testar é uma propriedade que as pessoas usam no seu quotidiano e que, até então, ainda não tinha sido reproduzido em animais não humanos”, explica Crystal, em nota de imprensa publicada no site da Universidade de Indiana.

“Por vezes lembramo-nos de informações que não são propriamente importantes quando as guardámos. Mais tarde, quando precisamos de aceder a essas informações reproduzimos mentalmente o fluxo de eventos vividos até conseguirmos identificar as informações necessárias que nos vão permitir resolver o problema atual”, acrescenta o cientista.

Esta descoberta não só desvenda a impressionante capacidade cognitiva dos ratos, como também pode ter implicações importantes para a investigação de doenças humanas relacionadas com a perda de memória.

Muitos medicamentos para a doença de Alzheimer testados em animais acabam por não ter muito sucesso quando testados em humanos. Crystal acredita que isto se possa dever à falta de foco específico na memória episódica e espera que as descobertas da sua equipa possam melhorar as próximas investigações.

“Aquilo que pretendemos quando testamos fármacos em pacientes com Alzheimer é sentir o alívio de estes se recordarem da neta que os visitou na semana anterior e até das coisas interessantes sobre as quais conversaram”.

“Isto é o que terá um maior impacto quando encontrarmos drogas eficazes. Não se trata apenas dos aspetos gerais da memória. É sim sobre a memória episódica”, conclui o autor do estudo.

Patrícia Carvalho, ZAP //

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