Brasil está no topo da lista britânica de estrangeiros que regressaram aos países de origem em 2024. Só até setembro deste ano, cerca de 2,5 mil brasileiros receberam assistência para deixar o Reino Unido.
Durante dois anos e meio, a manicure Fernanda (nome fictício) viveu em Londres com o marido e a filha de 7 anos.
Os três mudaram-se para o Reino Unido a convite de outros familiares, mas a falta de estabilidade financeira e os constantes desentendimentos transformaram o sonho de uma vida melhor no estrangeiro num pesadelo.
No início do ano, a família descobriu que podia regressar ao Brasil através do serviço de retorno voluntário do Home Office, departamento do Reino Unido responsável pela imigração.
Por este meio, os brasileiros em situação irregular recebem, além da passagem aérea, um apoio financeiro de até 3 mil libras (cerca de 3600 euros), para regressarem ao Brasil.
Em 2024, cerca de 2,5 mil brasileiros fizeram o mesmo que Fernanda: solicitaram esta assistência e regressaram ao Brasil. É como se, todos os dias, cerca de 11 brasileiros deixassem o Reino Unido desta forma.
Os brasileiros estão entre as três nacionalidades que mais regressaram voluntariamente do Reino Unido em 2024, ficando apenas atrás dos indianos e à frente dos albaneses. Foram 2,9 mil regressos voluntários entre janeiro e setembro de 2024, sendo a maioria, cerca de 86%, realizada de forma assistida.
Outros financiaram o retorno por conta própria. Este número é significativamente superior ao registado no mesmo período de 2023, quando 1,7 mil brasileiros deixaram o Reino Unido de forma voluntária, um aumento de 73% num ano.
Voos só para brasileiros
No início de dezembro, o jornal The Observer publicou uma reportagem que indicava que cerca de 600 brasileiros tinham sido enviados de volta ao Brasil em três voos secretos. O jornal chegou a usar a palavra “deportações” para descrever os casos.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil negou que os voos fossem secretos e que se tratassem de casos de deportação. Segundo o Itamaraty, os brasileiros teriam regressado através do programa de retorno voluntário.
Por outro lado, fontes do órgão confirmaram à DW que foi o próprio Reino Unido que propôs organizar os voos e que este foi o primeiro ano em que essa medida foi implementada.
Além disso, fontes do Itamaraty revelaram que, na verdade, foram realizados quatro voos em 2024 e não três, como havia sido noticiado pelo Observer. O órgão não quis confirmar o número de brasileiros enviados de volta.
Em agosto, a emissora de televisão Band também chegou a noticiar um voo com 200 brasileiros a regressar do Reino Unido.
Na prática, não se sabe quantos brasileiros destes quatro voos regressaram por vontade própria ou porque foram obrigados. Uma brasileira entrevistada pela DW, que preferiu não se identificar, contou que um amigo foi deportado no segundo semestre deste ano.
“Ele foi abordado na estação de Liverpool Street, em Londres. Disse que estavam a parar pessoas de forma aleatória. Os agentes escolhiam e verificavam os documentos. Disse ainda que estavam disfarçados e a consultar os dados das pessoas através de um tablet”, relata.
O amigo, que vivia no Reino Unido desde 2022, ficou detido durante dez dias antes de regressar, neste caso sem apoio financeiro.
Após a pandemia, tanto os regressos voluntários como os forçados têm aumentado no Reino Unido.
Este ano, cerca de 29 mil pessoas foram devolvidas aos seus países de origem até à primeira semana de dezembro, 25% a mais do que em 2023 e o maior número desde 2017, segundo o Observatório de Migração da Universidade de Oxford.
De acordo com os dados do Home Office, que contabilizam informações até setembro de 2024, o número de brasileiros detidos por questões migratórias aumentou 8% entre 2023 e 2024. O Brasil foi a terceira nacionalidade com mais detidos, apenas atrás da Albânia e da Roménia.
No total, 1100 brasileiros foram detidos no Reino Unido por questões migratórias em 2024, e 114 estavam presos em setembro. Destes, 413 foram deportados.
Impacto das políticas migratórias britânicas
Em março deste ano, o Reino Unido implementou novas regras de imigração. Entre elas, o aumento do salário mínimo bruto exigido para obter um visto de trabalho e trazer dependentes, que passou de 26,2 mil libras por ano para 38,7 mil libras.
Além disso, estudantes que não frequentam programas de pós-graduação em investigação ficaram proibidos de trazer dependentes. O objetivo destas medidas é reduzir a imigração.
“Tanto as concessões de visto como a migração líquida diminuíram em 2024, o que indica um impacto significativo das restrições”, afirmou Mihnea Cuibus, investigador do Observatório de Imigração da Universidade de Oxford.
Tanto o governo conservador como o trabalhista, explica Cuibus, defendem que os regressos de estrangeiros ilegais devem aumentar.
O objetivo é expandir as detenções de ilegais em pelo menos 15%. “No entanto, não está claro o quanto do aumento recente nos regressos se deve a novas medidas ou à continuação de tendências anteriores”, pondera Cuibus.
É mais fácil “devolver” brasileiros
O serviço de retorno voluntário (VRS) é um programa destinado a quem entrou ilegalmente na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte ou ultrapassou o prazo de permanência permitido pelo visto.
Pode também solicitar o retorno quem pediu asilo ou direito de permanência no Reino Unido, bem como vítimas de escravatura moderna. De acordo com Cuibus, este tipo de medida é vantajoso para o governo britânico por ser mais barato e humano.
Uma estimativa de 2015 calculou que o custo do retorno voluntário para o governo britânico ronda as 7 mil libras esterlinas, enquanto uma remoção forçada pode chegar às 15 mil libras. “E estes valores provavelmente aumentaram consideravelmente na última década”, sublinha.
O Reino Unido tem acordos de retorno com 24 países. O Brasil não está nessa lista, mas há fatores que explicam por que o país está no topo da lista de cidadãos removidos do Reino Unido.
Um deles é o número de residentes: cerca de 230 mil brasileiros vivem no Reino Unido, a segunda maior população brasileira na Europa. Outro fator é a situação política e socioeconómica.
“É muito mais fácil devolver alguém a países relativamente pacíficos, como o Brasil ou a Índia, do que para lugares como o Iraque ou a República Democrática do Congo”, afirma Cuibus.
Além disso, os brasileiros são elegíveis para receber assistência financeira porque o Brasil é considerado um país em desenvolvimento, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Atualmente, o processo envolve preencher um formulário no site do governo e aguardar o retorno das autoridades.
Voluntários — mas nem tanto
Outro fator que contribui para o regresso de brasileiros, voluntária ou involuntariamente, são os desafios para permanecer no Reino Unido. Com o Brexit, desde janeiro de 2021, brasileiros com dupla nacionalidade europeia perderam o direito de viver, trabalhar ou estudar no Reino Unido sem visto.
Com isso, muitos brasileiros com cidadania portuguesa, italiana ou espanhola, ou dependentes destes, tornaram-se ilegais.
“O Reino Unido não concede amnistias nem tem políticas públicas para regularizar uma pessoa. O que existe são vias de imigração, através de casamento, estudo, trabalho e família”, explica Edmar da Rocha, advogado especializado em imigração e sociólogo.
A comunidade brasileira enfrenta dois grandes desafios: cumprir os critérios de imigração e suportar os custos financeiros.
O custo para requerer um primeiro visto, com duração de dois anos e meio, pode atingir 3,8 mil libras (4,5 mil euros). “Só o imposto de saúde, que era de 735 libras, aumentou para 1.035”, acrescenta Rocha. Uma residência permanente requer, no mínimo, três pedidos, que custam o mesmo valor do primeiro.
Assim, o termo “voluntário” para descrever os regressos é considerado controverso. “Conheci uma mulher que engravidou de um brasileiro. Ele não deu assistência e ela ficou sozinha com a criança, sem poder trabalhar. Não queria regressar, mas foi pelo desespero“, exemplifica Fernanda.
ZAP // DW