A data que divide esquerda e direita. O que aconteceu, afinal, no 25 de Novembro?

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Pedro Ribeiro Simões / Flickr

Vasco Lourenço, capitão de Abril

A crise de 25 de Novembro de 1975 é um dos episódios mais controversos da história recente portuguesa. Esquerda e direita mantêm divergências quanto ao que aconteceu de facto nessa altura, e quanto à comemoração ou não da data.

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) vai assinalar os 48 anos do 25 de Novembro de 1975 com várias iniciativas na cidade. Isto apesar de os partidosa da oposição no município terem votado contra a ideia do presidente Carlos Moedas.

O autarca defende a celebração notando que o 25 de Abril de 1974 pôs fim à ditadura do Estado Novo, mas sublinha que “só em Novembro se cumpriu Abril”.

Moedas salienta ainda que “há datas que temos a obrigação ética e social de não esquecer”, “a bem da democracia e da liberdade”, e “a bem das novas gerações”.

A Iniciativa Liberal (IL) também vai assinalar a data durante a 6.ª edição da Festa da Liberdade, um jantar comício que decorre sábado, no Porto. O presidente do partido, Rui Rocha, assinala que a IL “é o único partido que celebra com igual entusiasmo o 25 de Novembro e o 25 de Abril”.

O também deputado da IL salienta que quer “dar um sinal de que Portugal não é sequestrável pelo radicalismo de esquerda“.

Partidos como o PS, que sempre tiveram esta data também como uma data fundadora da democracia, neste momento, estão envergonhados ou mesmo retirados da celebração do 25 de Novembro, quando isso é uma data fundamental na própria história do PS”, critica ainda Rui Rocha.

O presidente da IL também se atira aos “partidos radicais de esquerda, o PCP e o Bloco de Esquerda”, notando que “não reconhecem a importância do 25 de Novembro” e que “têm mesmo uma posição contrária aos valores” da data.

Sem Novembro nunca se teria cumprido Abril. O 25 de Abril derrubou uma ditadura, o 25 de Novembro impediu que fosse imposta outra ditadura aos portugueses”, aponta ainda a IL em comunicado.

O que aconteceu a 25 de Novembro de 1975

Este é um dos episódios mais controversos da história recente portuguesa. O país esteve “muito próximo da guerra civil”, como assegura, em declarações ao podcast do Expresso “A história repete-se”, o coronel Vasco Lourenço que viveu aqueles dias tensos marcados por um ambiente de alta tensão no seguimento da Revolução do 25 de Abril.

O então Presidente da República, General Francisco Costa Gomes, decretou o estado de sítio nesse 25 de Novembro fatídico de 1975.

Num clima de grande instabilidade governativa, “havia provocações permanentes” entre direita e esquerda, conta Vasco Lourenço, recordando que houve vários episódios tensos, nomeadamente com a “Assembleia Constituinte cercada” e a “greve do Governo” que suspendeu funções.

Em pleno PREC (Processo Revolucionário em Curso), os militares mantinham um grande peso no equilíbrio de poder num ambiente de radicalização e de crescentes divergências entre PCP e PS, com Mário Soares a acusar os comunistas de quererem “controlar o processo político”.

À direita, os partidos queriam proibir o PCP.

A nomeação de Vasco Lourenço, visto como um moderado, para o comando da Região Militar de Lisboa, em substituição de Otelo Saraiva de Carvalho, numa tentativa de controlar os militares desta região, terá sido a faísca que despoletou a revolta no seio das Forças Armadas, onde havia várias facções em divergência.

Vasco Lourenço identifica várias “tendências” dentro do MFA [Movimento das Forças Armadas] e nota que até o “Grupo dos Nove” de que fazia parte, e que foi essencial na crise do 25 de Novembro, se dividia em diferentes correntes. Havia os que defendiam “a continuação do 25 de Abril e a aprovação da Constituição”, mas também os que queriam uma “democracia musculada que era o sector spínolista” e a extrema-direita, nota.

Assim, neste clima de divergências, na manhã de 25 de Novembro, paraquedistas com ligações à extrema-esquerda ocuparam quatro bases da Força Aérea e o Comando Operacional em Monsanto, o que despoletou movimentações militares e civis.

O “Grupo dos Nove”, constituído por membros do Conselho da Revolução, designadamente Vasco Lourenço, Costa Neves e Melo Antunes, esteve na linha da frente da intervenção, contando com o apoio dos Comandos, e conseguiu conter as acções de revolta militar.

Os paraquedistas acabaram por “render-se” a 28 de Novembro de 1975.

Estes são, em termos genéricos, os factos. Mas a interpretação do que aconteceu, nomeadamente em termos de guerra de bastidores, diverge.

“Uma revolução pactuada entre PCP e MFA”

O historiador Fernando Rosas que esteve ligado ao PCP e ao Bloco de Esquerda considera que o 25 de Novembro foi “uma revolução pactuada sobretudo entre o PCP e o Grupo dos Nove, do MFA, ou seja, entre o Álvaro Cunhal e o Melo Antunes“, conforme sublinhava numa entrevista em maio deste ano ao podcast “Avenida da Liberdade” da Rádio Renascença.

“O país ficou virado de pernas para o ar”, mas não foi “bem uma contra-revolução”, analisava Rosas, salientando que “as conquistas revolucionárias fundamentais” foram “consagradas na Constituição de 1976”.

Houve “dois derrotados” no 25 de Novembro

Na análise de José Pacheco Pereira, também historiador, comentador político e ex-dirigente do PSD, houve “dois derrotados” no 25 de Novembro, “a extrema-esquerda militar” e os que queriam “proibir o PCP”.

“Em ambos os casos, quer uns quer outros, se ganhassem, podiam no limite abrir caminho para uma guerra civil, e a democracia ficaria em causa por muitos anos“, salienta Pacheco Pereira num artigo de opinião no Público.

“É a derrota das duas tentativas que torna o 25 de Novembro importante”, reforça, sublinhando que “apresentar o PCP como o “grande derrotado” do 25 de Novembro não tem qualquer fundamento”. “Ficou enfraquecido, mas ministros comunistas continuaram no Governo e algumas políticas de nacionalizações são posteriores ao 25 de Novembro”, realça.

Pacheco Pereira também fala dos riscos das comemorações do 25 de Novembro poderem ser usadas para “introduzir nos dias de hoje uma espécie de remake dos riscos de guerra civil do passado”. E reforça que “os desejos de guerra civil em 1975 não vieram só de um lado, vieram dos dois, à direita e à esquerda”, e “ambos fizeram danos à democracia e ambos mataram”, conclui.

Susana Valente, ZAP // Lusa

5 Comments

  1. Agora é a Cuba dos Fulgencios Batistas e das mafias economicas de meia tigela. Viva a especulação. Quem tem razão se calhar é o louco que ganhou as presidenciais na Argentina. Vamos ver se acontece a liberdade.

  2. Tantos comentários e tantas opiniões. Como sempre o Dr. Firmando Rosas apresenta uma interpretação revisionista com complexo de esquerda. Mas vamos a factos: 1) leiam a entrevista de A. Cunhal a Orianna Fallacci e vejam o que era a “democarcia” para o PCP; 2) vale a pena rever o debate de meados de 1975 entre o mesmo A Cunhal e Mário Soares para se perceber a diferença irreconciliável na altura entre o modelo democrático do PS e o do PCP.
    Estes são documentos factuais e a sua interpretação é linear. O PC perdeu de facto notoriedade nessa altura e a partir daí foi sempre em queda nas eleições. O PC foi forçado na altura pelo PR a acalmar a ala esquerda do MFA e dos SUV pois a posição militar estava perdida para estes e uma guerra civil causaria, aí sim, a destruição total desse partido estalinista e, certamente, alguns mortos entre os beligerantes.
    Para quem viveu esta realidade, não há dúvida nenhuma que a 25/11 foi o complemento do 25/04 com a correção de extremismos que se haviam agudizado no sociedade civil e nos partidos políticos durante esse período de tempo. Tão importante foi um como o outro e sobretudo ambos os eventos são de extrema importância.

  3. Que comemorem, vai quem quer assim como no 25 de Abril, vivemos num pais Livre e devemos respeitar os outros, eu costumo ir ao 25 de Abril como o 25 de Novembro não me diz nada não vou mas respeito quem vai .

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