O Monopólio é uma farsa: original foi roubado a uma mulher (e era bem diferente)

Comprar imóveis e levar os outros à falência: essa é a essência do mundialmente famoso jogo de tabuleiro que ficou conhecido como “Monopoly”. Mas a proposta da sua inventora era, na verdade, o oposto.

Ela sonhava com um mundo onde a justiça prevalecesse e onde a riqueza e a terra fossem distribuídas de forma equitativa. Elizabeth Magie Phillips viveu nos Estados Unidos no final do século XIX — e o seu sonho ainda não se concretizou.

O jogo que criou continua a ser jogado de uma forma muito diferente daquela que Magie tinha em mente. Para si, o nome do jogo nem deveria ser “Monopólio”, mas sim “The Landlord’s Game” (“O Jogo do Senhorio”).

Todos jogam, todos ganham

“A versão do Monopólio criada por Magie tinha dois conjuntos de regras: um sobre como eliminar monopólios e outro que demonstrava o quão prejudiciais os monopólios são. São estas últimas as regras pelas quais jogamos hoje”, explica Mary Pilon, autora de The Monopolists. Só que hoje, o foco não está — como Magie talvez desejasse — em perceber que o sistema monopolista é prejudicial.

O conjunto “idealista” de regras baseou-se na teoria do imposto único, defendida pelo economista americano Henry George (1837-1897), que propunha tributar a terra e redistribuir a receita. No “Jogo do Senhorio” de Magie, todos os jogadores tinham de pagar impostos sobre as suas propriedades. Assim, sempre que alguém obtinha lucros, os rendimentos eram redistribuídos, garantindo benefícios para todos no final.

No entanto, este conjunto de regras nunca prevaleceu. Em vez disso, temos hoje o modelo competitivo: ganha quem acumular mais propriedades e dinheiro, enquanto quem for à falência… perde.

Em 1904, Magie registou uma patente para o “Jogo do Senhorio”. O jogo ficou popular entre os estudantes da Costa Leste dos EUA e acabou por ficar conhecido como Monopólio.

Uma cópia descarada: era tudo mentira

Na década de 1930, um grupo de quakers – religiosos protestantes – jogou com o vendedor desempregado Charles Darrow, que ficou impressionado com o jogo de tabuleiro, copiou-o, alegou ser o seu criador — apesar da patente de Magie — e vendeu os direitos à fabricante de jogos Parker Brothers.

Segundo a empresa, mais de 275 milhões de cópias foram vendidas em todo o mundo até 2010. O jogo anticapitalista de Magie transformou um vendedor desempregado num milionário – enquanto a própria inventora ficou de mãos vazias.

Toda esta história só veio à tona graças à jornalista Mary Pilon. Em 2009, enquanto trabalhava num artigo para o Wall Street Journal sobre o jogo, estranhou o facto de não encontrar nenhuma fonte primária sobre a sua criação.

“A patente de Darrow era demasiado profissional e artística para um vendedor desempregado”, disse Pilon à DW. “E ninguém conseguia dizer-me as datas certas. Foi em 1924, 1931 ou 1934?”

A única pessoa viva que conhecia a verdadeira história do Monopólio naquela altura era o professor de economia Ralph Anspach, inventor de um jogo anti-Monopólio. Na década de 1970, Anspach envolveu-se numa disputa judicial com a Parker Brothers sobre o seu jogo e descobriu, por acaso, que fora Elizabeth Magie – e não Charles Darrow – a verdadeira criadora do icónico jogo.

“Esperei 40 anos que alguém me perguntasse”, disse Anspach quando Pilon o contactou. Rapidamente, a jornalista percebeu que tudo o que tinha lido na Internet sobre a origem do Monopólio estava errado. O seu artigo acabou por transformar-se num projeto de livro, fruto de cinco anos de investigação.

O percurso de Magie

Elizabeth Magie Phillips nasceu em 1866, em Macomb, Illinois, numa família com tradição política. O seu pai tinha feito campanha no seu jornal pela abolição da escravatura, que foi ratificada apenas um ano antes do nascimento de Magie.

Magie também era politicamente ativa décadas antes de as mulheres terem direito ao voto nos Estados Unidos. Quando se mudou para Washington D.C. com a família, por volta de 1890, associou-se ao Woman’s Single Tax Club (Clube Feminino do Imposto Único), alinhando-se com as ideias de Henry George.

Trabalhou como estenógrafa nos correios de Washington D.C. e usava o cabelo castanho e encaracolado num corte curto. Teve uma variedade de interesses e profissões: publicou ensaios, poemas e contos, subiu ao palco no teatro e, aos 26 anos, patenteou um dispositivo que inventou para facilitar o deslizamento do papel nas máquinas de escrever.

A certa altura, o seu pai deu-lhe um exemplar de Progresso e Pobreza, de Henry George. Na obra, George escreveu: “O que destruiu todas as civilizações antes de nós foi a distribuição desigual de riqueza e poder.” A ideia inspirou Magie.

Um período de grande desigualdade social

Washington do final do século XIX ficou marcada pela industrialização, desigualdades e revoluções. Segundo os censos, em apenas vinte anos, a cidade cresceu de 178 mil para quase 280 mil habitantes em 1900. Enquanto magnatas industriais como John D. Rockefeller, Andrew Carnegie e J.P. Morgan acumulavam riqueza, a classe trabalhadora vivia em condições precárias.

Magie opunha-se a essa realidade: num dos seus poemas, descreveu a industrialização de Washington como um “lugar escuro e sombrio” onde “todos são egoístas”.

Num artigo publicado em 1902 na Single Tax Review, descreveu o seu jogo original: “trata-se de uma demonstração prática do atual sistema de apropriação de terras, com todas as suas […] consequências. Poderia muito bem chamar-se ‘O Jogo da Vida’, pois contém todos os elementos do sucesso e do fracasso no mundo real, e o objetivo é o mesmo da humanidade em geral: a acumulação de riqueza.”

Já era idosa quando soube: o jogo tinha-se tornado um sucesso mundial

Ironicamente, Charles Darrow e os irmãos Parker acumularam uma fortuna graças ao jogo – apesar da crise económica global da época. Magie, que já era idosa, só soube do sucesso do seu jogo pela imprensa.

“Lizzie ficou furiosa”, conta Pilon. E reagiu: pegou no tabuleiro de jogo original e na sua patente – pela qual recebera apenas algumas centenas de dólares – e procurou os jornais e as revistas.

A fabricante do jogo propôs-lhe então um acordo que Ralph Anspach mais tarde descreveria como uma forma de “mascarar” a situação, segundo Pilon: a Parker Brothers ofereceu a Magie o lançamento de dois dos seus jogos como compensação. “Mas não há provas de que isso tenha acontecido”, diz Pilon: “até hoje, a Parker Brothers ainda não reconhece que Lizzie foi a inventora do Monopólio.”

O que Magie pensaria dos tempos atuais? De acordo com os dados mais recentes da Oxfam, os 1% mais ricos da população mundial têm mais riqueza do que os 95% mais pobres juntos.

Lizzie certamente olharia para o presente com grande criticismo, especialmente para a desigualdade social“, reflete Pilon. Elizabeth Magie morreu em 1948, aos 81 anos, em Staunton, Virgínia. Viveu o suficiente para ver o sucesso da sua criação, mas não para receber o reconhecimento que merecia.

ZAP // DW

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