Nova lei na Califórnia força toxicodependentes a ir para reabilitação

Thomas Marthinsen / Flickr

Objetivo é “quebrar o ciclo de crises repetidas” e iniciar um “tratamento residencial seguro”. Novas medidas podem resultar numa “porta giratória” de tratamentos ineficazes que falham em abordar as questões centrais e infringem as liberdades civis, alertam os especialistas.

Uma lei controversa que permite o tratamento forçado de indivíduos viciados em drogas foi recentemente assinada pelo Governador da Califórnia, Gavin Newsom, medida que está a preocupar a grande maioria dos especialistas em políticas de drogas, avança o Vice.

A nova lei expande as regras existentes de tutela, permitindo a reabilitação involuntária para aqueles “incapazes de providenciar pela sua própria segurança ou cuidados médicos necessários devido a um transtorno grave de uso de substâncias ou doenças mentais graves”.

A tutela é um mecanismo legal em que um tribunal nomeia um terceiro para gerir o cuidado de um indivíduo, possivelmente incluindo o seu internamento em instalações de saúde mental. Antes desta alteração, só era possível para aqueles com um transtorno de saúde mental.

Objetivo é “quebrar o ciclo de crises repetidas”

O gabinete do Governador argumenta que esta abordagem pode “quebrar o ciclo de crises repetidas”, como as detenções e hospitalizações psiquiátricas, bem como ajudar a diminuir o número de sem-abrigo.

Paralelamente, foi assinado um outro projeto de lei para iniciar um “tratamento residencial seguro” nos condados de Sacramento e Yolo, um programa que oferece a indivíduos condenados por crimes relacionados com drogas uma opção entre tempo de prisão ou reabilitação segura, sendo que as penas de prisão são projetadas para serem mais longas do que os períodos de tratamento de modo a privilegiar o segundo.

No entanto, estas medidas legislativas foram recebidas com forte crítica.

Medidas “dececionantes” podem criar “porta giratória”

Jeannette Zanipatin, diretora da Drug Policy Alliance na Califórnia, afirmou que não há provas substanciais que mostrem que o tratamento forçado é eficaz. Pelo contrário, argumentou, o tratamento coagido pode aumentar o risco de overdose, especialmente após a libertação imediata da instalação.

“Não há ciência ou evidência que demonstre que o tratamento forçado para o uso de substâncias é eficaz e, na verdade, aumenta as hipóteses de alguém poder morrer de uma overdose, seja enquanto está na instituição ou quando é imediatamente libertado”, disse.

Zanipatin também criticou o Governador por vetar um projeto de lei em 2022 que permitiria locais seguros de consumo de drogas nas principais cidades da Califórnia — algo semelhante às salas de consumo assistido criadas em Portugal.

Avisou ainda que as novas medidas podem resultar numa “porta giratória” de tratamentos ineficazes que falham em abordar as questões centrais e infringem as liberdades civis.

“Existe definitivamente uma pressão política para que os decisores políticos possam apontar coisas que estão a fazer, porque toda a gente está a ver e a experienciar pessoas sem-abrigo, pessoas com problemas de saúde mental e pessoas com problemas de uso de substâncias. E assim, houve uma mudança na atitude pública e menor paciência para aquilo que todos estão a ver, mas sem realmente compreender por que razão chegámos ao ponto em que estamos”, disse ela.

As medidas colocam também muitos obstáculos para aqueles que tentam aceder a tratamentos eficazes à base de medicamentos para o vício em opióides.

“As barreiras para aceder à metadona continuam a ser muito altas e muito íngremes. E então, mesmo que tenhamos algumas modalidades de tratamento, os obstáculos são simplesmente demasiado altos… para pessoas que vivem nas ruas.”

Esta mudança legislativa faz da Califórnia um de pelo menos 38 estados nos EUA que permitem alguma forma de tratamento de drogas involuntário. Tendo em conta que a Califórnia é o lar de 30% da população sem-abrigo dos EUA — e um relatório de 2022 descobriu que 9% dos californianos preenchem os critérios para ter um transtorno de uso de substâncias — as implicações destas leis podem ser abrangentes e potencialmente prejudiciais, alertam os especialistas.

ZAP //

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