Mutações de ADN explicam porque é que há fumadores que (não) têm cancro do pulmão

A hipótese de um não fumador desenvolver cancro de pulmão é de cerca de uma em 6.000. Para alguém que fuma regularmente, as hipóteses disparam para um em cada cinco ou dez.

Fumar é um hábito bastante perigoso, que aumenta a probabilidade de desenvolver cancro no pulmão. No entanto, a maioria das pessoas que fumam não irá contrair a doença, de acordo com a Interesting Engineering.

Uma equipa de investigadores começou a perceber porquê. Um novo estudo publicado na Nature Genetics, explica que fumar parece conduzir a um aumento previsível do número de mutações causadoras de cancro nas células pulmonares. Mas apenas até certo ponto.

Depois de alguém ter fumado o equivalente a um maço de cigarros por dia, durante 23 anos, o número de mutações deixou de aumentar.

“Os nossos dados sugerem que estes indivíduos podem ter sobrevivido durante tanto tempo apesar de fumarem muito, porque conseguiram suprimir a acumulação de mais mutações”, refere Simon Spivack, pneumologista e investigador genético.

“Este nivelamento das mutações pode resultar do facto de estas pessoas terem sistemas muito competentes para reparar os danos do ADN, ou desintoxicar o fumo do cigarro”, acrescenta o também co-autor do estudo.

Os investigadores que estudam os efeitos do fumo do cigarro na saúde têm utilizado todos os tipos de métodos.

Desde dar aos animais de laboratório doses elevadas de produtos químicos encontrados no tabaco, até procurar em arquivos quais as doenças que os fumadores obtêm com mais frequência, são vários os métodos utilizados.

Estes estudos tornaram claro que os cigarros contêm centenas de produtos químicos nocivos, incluindo dezenas de carcinógenos.

Durante décadas, os investigadores não tiveram qualquer forma de medir as mutações nas células pulmonares que realmente causam o cancro do pulmão.

Há cinco anos, investigadores do Albert Einstein College of Medicine, em Nova Iorque, encontraram uma forma de ultrapassar as limitações técnicas que tinham impossibilitado a sequência do genoma.

Ou seja, descobriram como determinar a ordem exata das moléculas A, T, C e G do ADN, dentro de uma única célula, sem introduzir demasiados erros no processo.

Neste novo estudo, muitos dos mesmos investigadores utilizaram essa técnica para comparar células pulmonares de pessoas que nunca fumaram com as de pessoas que fumaram durante anos.

Este estudo relativamente pequeno envolveu apenas 33 participantes, com idades compreendidas entre os 11 e os 86 anos de idade.

Cerca de metade deles eram fumadores. Os restantes nunca tinham fumado. Os médicos recolheram células do revestimento dos seus pulmões, durante as broncoscopias necessárias do ponto de vista médico.

“Estas células pulmonares sobrevivem durante anos, mesmo décadas, e assim podem acumular mutações tanto com a idade como com o fumo”, refere Spivack.

“De todos os tipos de células pulmonares, estas estão entre as mais suscetíveis de se tornarem cancerosas”, acrescenta o especialista.

Os investigadores utilizaram a sua nova técnica para identificar o número de mutações nessas células em cada pessoa.

Depois, compararam essa informação com dados sobre o quanto cada participante fumou ao longo da sua vida, medido numa unidade chamada “anos de maços”.

Um ano de maço é equivalente a fumar um maço de cigarros por dia, durante um ano. O fumador mais ativo fumou 116 anos de maço.

Sem surpresas, descobriram que fumar durante mais anos de maço estava relacionado com mais mutações de ADN nas células pulmonares.

“Isto confirma que fumar aumenta o risco de cancro do pulmão, ao aumentar a frequência das mutações”, tal como os investigadores têm verificado durante décadas, salienta Spivack.

Mas houve uma surpresa nos dados. Essa correlação entre o número de anos de maço e o número de mutações desapareceu aos 23 anos de maço. Depois desse ponto, o número de mutações parou de aumentar.

“Os fumadores mais ativos não tinham a maior carga de mutação”, sublinha Spivack.

Por outras palavras, o participante que fumou 116 anos de maço não tinha cinco vezes o número de mutações, como outra pessoa que fumou apenas um par de dezenas de anos de maços.

Embora esta seja uma descoberta inicial de um pequeno estudo, é um facto notável que pode dar uma visão sobre a razão pela qual algumas pessoas têm cancro do pulmão, enquanto outras nem por isso (mesmo sendo ambas fumadoras).

Se os investigadores conseguirem descobrir como identificar essas pessoas antes que seja demasiado tarde, podem oferecer uma ajuda orientada.

“Isto pode revelar-se um passo importante para a prevenção e deteção precoce do risco de cancro do pulmão, e longe dos atuais esforços necessários para combater a doença em fase tardia, onde ocorre a maioria das despesas de saúde e o sofrimento”, conclui Simon Spivack.

Alice Carqueja //

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