O modelo de ensino é muito bom… para um mau professor (e a origem de “escola” pode surpreender)

Um outro olhar sobre a escola em Portugal. Voz aos alunos, que se queixam do foco no futuro, da falta de liberdade, da “vida a passar”.

O sistema de ensino em Portugal é criticado por muitas pessoas, a cada ano que passa.

Alunos, pais, analistas e até professores. Queixam-se de um modelo desactualizado, de ser excessivamente focado nas médias e nos resultados dos exames, de não promover o desenvolvimento do pensamento crítico e as competências práticas.

A RTP tentou apresentar um outro olhar sobre a escola, com perspectivas “fora da caixa” – embora essa caixa esteja cada vez mais pequena – de especialistas e dos próprios alunos.

Guilherme d’Oliveira Martins, administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, acha que o sistema actual em Portugal “é redutor, não considera as pessoas“.

E, para início de conversa, vai ao início dos inícios: a etimologia da palavra “escola”.

As pessoas ficam admiradas quando sabem que “escola” vem do grego “scholé“, que significava lugar do ócio.

Paulo Borges, professor filosofia e presidente do Círculo do Entre-Ser, deixa mais detalhes: “escola” significa espaço de lazer, de desocupação, de liberdade. É um “consagrar apaixonadamente ao que nos interessa mais, ao que é mais importante para nós” – e é algo que, avisa, não acontece na escola institucionalizada.

Guilherme d’Oliveira Martins recorda palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen, a poetisa que numa entrevista disse que a escola só precisava deste trio: poesia, música e ginástica. E então a matemática? “Acha que alguém consegue ler uma pauta musical sem saber matemática, aritmética, geometria?”, respondeu.

Álvaro Laborinho Lúcio, juiz e professor universitário, alega que a escola é essencial para a compreensão do mundo, da vida. Um instrumento decisivo para uma sociedade “cada vez mais culta, informada e capaz”.

Mas o modelo de ensino em Portugal “favorece os maus professores”. Porque, justifica, os maus professores dão o programa sem se preocupar com o facto de esse programa ser recebido.

“A ideia de dar o programa é bizarra. Está bem, damos o programa, mas ele é recebido? Passo para o outro uma informação, mas a informação é recebida pelo outro? Produz no outro algum efeito modificador?”.

E continua: “Isto é muito bom para o mau professor – aquele que recebe um kit à entrada e que lhe dizem ‘o seu papel é este, os alunos têm que caber aqui dentro, quem cabe tem sucesso, quem não cabe não tem’. Para o mau professor, não há muito a fazer senão garantir aquele percurso”.

Então um bom professor é como? “Envolve-se com o aluno. E, aí, todas estas questões passam a ter uma formatação completamente diferente”.

Já os programas, os currículos, as metas de aprendizagem, são “um sapato para um pé que muitas vezes não cabe nele“.

E de repente “construímos um modelo em que estamos mais preocupados com a forma do sapato do que com a natureza do pé“.

Por cá, os professores sentem-se sobrecarregados, desanimados; limitados, condicionados.

Lígia Vitória, professora no activo, deixa o seu desabafo: “Antes, o professor era o rei na sala. Hoje sinto-me condicionada por programas, por andarmos todos a dar o mesmo da mesma maneira”.

Falta aquele espaço para eu fazer… coisas. Gosto de ter o espaço para o sonho, de contribuição dos alunos. Mas ‘ai não, não. Não podemos porque temos o programa, temos o teste na mesma semana que os outros…”.

E o que dizem os alunos?

Algumas ideias essenciais: a escola só olha para o futuro – ou nem isso – não permite desanuviar. “Não temos vida, nascemos para estudar”, queixa-se outro aluno.

“Só ciência, só humanidades. Falta-nos qualquer coisa”. Falta liberdade.

A escola, dizem, é tão focada no futuro, que se esquece do que os alunos precisam agora.

Há cada vez mais matéria, “a vida está a passar e nada está a acontecer”.

Alegam que a escola é tão focada só nos cursos, que “é um bocado assustador”, deveria estar menos direccionada para isso. “Aposto que imensas pessoas vão ter empregos que ainda não existem“, avisa um estudante do ensino secundário.

Os mesmos alunos deixam sugestões: avaliar menos a teoria, alunos a participar mais, mais testes e com menos conteúdo em cada (testes de duas em duas semanas), interligação entre disciplinas, programas menos extensos (nem que isso implique cortar assuntos), as actividades extracurriculares deveriam ser importantes ao entrar na faculdade, ou um 13.º ano opcional.

ZAP //

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