Roma é uma colónia grega: o mito de Palâncio, lendária cidade arcádia numa colina romana

Big Albert / Flickr

Palâncio terá existido no Monte Palatino, uma das Sete Colinas de Roma

Uma das histórias mais fascinantes e talvez menos conhecidas da história de Roma é a de Palâncio, cidade lendária que, de acordo com várias fontes antigas, ficava no Monte Palatino — na mesma colina que séculos mais tarde se tornaria o coração de Roma.

A lenda de Palâncio é mencionada em várias obras da literatura clássica, sendo a mais famosa a Eneida de Virgílio.

Segundo a lenda, a cidade foi fundada por Evandro, rei da Arcádia, uma região no coração do Peloponeso grego.

Segundo conta o LBV, diz-se que Evandro chegou às terras próximas do rio Tibre muito antes da Guerra de Troia e que se instalou no Monte Palatino, onde fundou uma pequena cidade a que deu o nome de Palâncio — em honra do seu antepassado Pallas.

Dionísio de Halicarnasso, historiador grego do período romano, fornece uma narrativa semelhante, mas com pormenores adicionais. Nos seus escritos, refere que os Arcádios, liderados por Evandro, construíram uma cidade perto de uma das sete colinas de Roma, a que deram o nome de Pallantion, em honra da sua metrópole na Arcádia.

Este acontecimento, segundo Dionísio, teve lugar cerca de 60 anos antes da Guerra de Troia, o que coloca Palâncio como uma das primeiras cidades da região que viria a ser Roma.

Estrabão, também faz eco desta ideia, citando o historiador Coelius — que afirma que Roma é uma colónia grega.

Na Eneida, Palâncio desempenha um papel crucial como modesto prelúdio da futura glória de Roma. No texto de Virgílio, Evandro e o filho Pallas recebem com honras o herói troiano Eneias, que procura a sua ajuda na guerra contra os Rútulos, povo do Lácio, liderados pelo seu rei Turno.

A tragédia da morte de Pallas às mãos de Turno, que na mitologia romana é filho de Dauno e da ninfa Venília, é um dos momentos mais comoventes do poema, e o seu impacto é tal que leva Eneias a tomar uma decisão fatídica contra o seu inimigo — matando-o.

Rijksmuseum

Encontro de Eneias com Pallas, filho Evandro, quadro de Claude Lorraain (1671)

Esta aliança é fundamental na narrativa épica de Virgílio, pois reforça a ideia de que os futuros romanos estavam ligados, desde as suas origens míticas, aos grandes heróis da mitologia grega.

Lívio também menciona a cidade na sua História de Roma, explicando a origem da festa das Lupercálias, um rito de iniciação à idade adulta para adolescentes que sobreviviam durante algum tempo caçando na floresta, como lobos humanos.

Curiosamente, segundo Lívio, a Palâncio arcádia, de onde provinha Evandro, tinha sido fundada por Pallas, filho de Lycaon — que Zeus tinha transformado em lobo.

O nome de Palâncio, como o de muitas cidades antigas, está envolto em etimologias que misturam lendas e genealogias.

Virgílio afirma que a cidade foi batizada em honra de Pallas, antepassado de Evandro, enquanto outros autores, como Pausânias e Dio Cássio, sugerem que o nome provém da cidade original de Evandro, na Arcádia.

O mito de Palâncio era mais do que uma lenda antiga; desempenhou um papel crucial na formação da mitologia romana.

Ao colocar Evandro, um rei árcadio, como um dos primeiros fundadores do que mais tarde viria a ser Roma, os romanos criaram uma ponte cultural que elevou a grandeza de Roma, mostrando que, mesmo nos seus primórdios, tinha laços com as tradições e os heróis mais venerados do mundo antigo.

Além disso, a existência de Palâncio na narrativa mítica de Roma forneceu uma explicação coerente para as semelhanças entre a cultura grega e a romana, permitindo a Roma reivindicar uma linhagem que incluía gregos, etruscos, sabinos e latinos — sob a liderança dos seus primeiros reis, Rómulo e Numa Pompilius.

Os romanos acreditavam que  a gruta de Lupercal, onde o pastor Faustulus encontrou Rómulo e Remo a serem amamentados pela loba Luperca, se situava em Palâncio — mas, segundo o consenso académico atual, a gruta ficaria mais para o sudoeste, próximo de Sant’Anastasia.

Ao longo dos séculos, a existência da antiga cidade grega de Palâncio foi aceite como um facto histórico. Autores como Gaius Julius Solinus, gramático e geógrafo dos séculos III e IV d.C., afirmam que há quem acredite que terá mesmo sido Evandro quem inventou o nome Roma para a nova cidade.

No mesmo sentido, também Robert Graves imaginou, no seu magnífico ensaio A Deusa Branca, uma conversa entre Teófilo, historiador grego, e Lúcio Sérgio Paulo, governador de Chipre sob o imperador Cláudio, na qual se diz que Evandro tinha duas filhas, chamadas Romë (força) e Dynë (poder).

Mesmo no século XIX, autores como Fustel de Coulanges ainda mencionavam a existência de Palâncio nas suas obras como um facto inquestionável.

No entanto, nada no registo arqueológico pode ser considerado como prova de que tenha havido uma antiga colónia grega anterior a Roma no Monte Palatino — cujas evidências se resumem aos escritos dos poetas da antiguidade.

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