O mamífero que não envelhece pode ser a chave para derrotarmos o cancro

nationalzoo / Flickr

Heterocephalus glaber, também conhecido por rato-toupeira-nu

Não é segredo para ninguém que o rato-toupeira-nu — aquele roedor enrugado e quase sem pelos, com longos dentes salientes — não é o animal mais atraente do planeta.

Mas essas criaturas compensam a sua pouca beleza com uma série de características extraordinárias que têm chamado a atenção de zoólogos e investigadores da medicina em todo o mundo.

Apesar do seu pequeno tamanho (que varia de 7,6 a 33 cm), o rato-toupeira-nu vive, em média, 30 anos. O roedor é resistente a doenças crónicas, incluindo diabetes, e tem um notável sistema reprodutor.

Também beneficiam o meio ambiente, agindo como “engenheiros do ecossistema” e aumentando a biodiversidade do solo ao cavar as tocas onde fazem os seus ninhos.

Imunes às dores e ao envelhecimento, estas criaturas de aparência estranha fascinam os cientistas há muito tempo. Agora, as pesquisas revelam que eles podem ter a chave para entender uma série de condições humanas, como o cancro e o envelhecimento.

Historicamente, estudamos os ratos e camundongos para entender os segredos da biologia humana. Mas os cientistas acreditam que o rato-toupeira-nu tem vantagens especiais para a pesquisa médica.

O nome científico da espécie – Heterocephalus glaber – significa essencialmente “coisa careca com cabeça diferente“.

O rato-toupeira-nu é nativo dos ambientes quentes e tropicais do nordeste da África. No seu ambiente natural, vivem em grandes colónias subterrâneas, formando um labirinto de túneis e câmaras que se estende por uma área correspondente a diversos campos de futebol.

As rígidas condições onde vivem os ratos-toupeiras-pelados, com baixos níveis de oxigénio, podem ser uma indicação de algumas das características incomuns da sua espécie.

Biologia única

A biologia da espécie é incrivelmente única. Os ratos-toupeiras-pelados são considerados “extremófilos“, ou seja, eles conseguem sobreviver em ambientes extremos debaixo da terra, segundo o investigador Ewan St. John Smith, que estuda o sistema nervoso sensorial na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Uma das suas características mais marcantes é que é difícil dizer exatamente a idade de um rato-toupeira-pelado, pois os seus sinais de declínio físico são limitados.

Enquanto os seres humanos podem ficar cada vez mais enrugados, grisalhos ou suscetíveis a doenças crónicas, “os sinais comuns de envelhecimento esperados na maioria dos mamíferos realmente não parecem acontecer” nestes roedores. A função cardíaca, composição do corpo, qualidade dos ossos ou metabolismo não sofrem mudanças significativas.

Na Universidade de Cambridge, a equipa de Smith mantém cinco colónias. “Mantenho os meus animais em Cambridge há 10 anos e nunca tive um sequer que morresse simplesmente de causas naturais“, afirma Smith. Ele conta que, em cativeiro, as brigas entre os roedores costumam ser a principal causa de morte.

É um quadro muito diferente das causas comuns de morte em seres humanos. “Um em cada dois humanos provavelmente terá cancro”, segundo Smith. “Os ratos e os camundongos têm uma probabilidade similar de desenvolver cancro, mas os ratos-toupeiras-nus quase nunca têm a doença – é muito raro.”

Como é que escapa às doenças?

O motivo por que o rato-toupeira-pelado escapa ao cancro ainda é um mistério.

Uma teoria diz que os ratos-toupeiras-pelados têm uma forma particularmente eficaz de mecanismo anticancro chamada senescência celular — uma adaptação evolutiva que evita que as células lesionadas se dividam fora de controle e desenvolvam câncer. Outra teoria sugere que esses roedores secretam um “superaçúcar” complexo que impede que as células se aglomerem e formem tumores.

As pesquisas mais recentes concentram-se em condições próprias dos seus corpos que impedem a multiplicação das células cancerígenas. Especialistas da Universidade de Cambridge indicam que interações com o microambiente interno do rato-toupeira-nu — o complexo sistema de células e moléculas em volta de uma célula, incluindo o sistema imunológico — evitam a doença e não um mecanismo inerente resistente ao cancro.

Numa experiência na Universidade de Cambridge, investigadores analisaram 79 linhagens celulares diferentes, cultivadas em tecidos do intestino, rim, pâncreas, pulmão e pele de 11 ratos-toupeiras-nus individuais. Os cientistas infetaram as células com vírus modificados para introduzir genes causadores do cancro.

Para sua surpresa, as células dos ratos-toupeiras-pelados infectados começaram a multiplicar-se rapidamente. Isso confirmou que é o ambiente do corpo do roedor que evita o desenvolvimento do cancro e não uma característica a nível celular.

Sem dor

Mas a característica mais estranha do rato-toupeira-nu talvez seja sua insensibilidade à dor. “Provavelmente, é o resultado de uma adaptação evolutiva ao [seu] ambiente com alto nível de dióxido de carbono“, explica Smith.

O ar que esses roedores respiram é mais rico em CO2 que o ar da atmosfera. Se esse ar exalado ficar preso em túneis subterrâneos, o teor de CO2 acumula-se.

Para a maioria dos mamíferos, este seria um problema. “O dióxido de carbono reage com água para formar um ácido, chamado ácido carbónico, que pode ativar os nervos para causar dor“, afirma o cientista.

Em muitas doenças inflamatórias, como a artrite reumatoide, as áreas de inchaço dos tecidos, muitas vezes, podem ficar ácidas e causar dor. Mas “o rato-toupeira-pelado não sente o ácido como algo doloroso, não da forma que o sumo de limão ou vinagre espalhado sobre cortes da pele causa dor”, explica Smith.

Ele estudou a base molecular para essa tolerância e identificou um gene que faz com que o ácido aja como anestésico, em vez de ativador dos nervos sensoriais do rato-toupeira-pelado.

A importância e as dificuldades dos estudos

Por mais extraordinários que sejam os ratos-toupeiras-nus, biologicamente falando, eles não são a espécie mais simples de observar, o que significa que relativamente poucos grupos de pesquisa em todo o mundo estudam esta espécie incrível.

Além da logística de reprodução de ambientes quentes e húmidos, o ciclo de vida de um rato-toupeira-nu é mais longo que o dos ratos ou camundongos.

Por este motivo, Smith criou a Iniciativa do Rato-Toupeira-Nu, para colaborar com especialistas de outros campos da medicina, como o tratamento do cancro, e usar os seus animais para sustentar novas linhas de pesquisa.

As colônias de ratos-toupeiras-pelados de Smith, se viverem a sua idade natural completa, provavelmente ultrapassarão a carreira do investigador.

Pode também haver outros benefícios na pesquisa desses animais altamente incomuns, alguns dos quais dificilmente podem ser previstos. Smith usa como exemplo os testes de PCR para detectar covid-19.

“A razão pela qual os testes de PCR funcionam é porque eles usam uma enzima que foi extraída de uma espécie de bactéria que vive nos respiradouros térmicos do Parque Yellowstone [nos Estados Unidos]”, explica. “Viver em altas temperaturas significa que as enzimas da bactéria evoluíram para que ficassem estáveis sob altas temperaturas, quando as reações biológicas acontecem com mais rapidez.”

“Se não estudarmos a biologia em condições extremas, acabamos por perder algumas coisas”, conclui Smith.

ZAP // BBC

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