Quando a macaca Imo começou a lavar as suas batatas, a sua família e amigos começaram a copiá-la. A cascata de informação seria a primeira evidência de comportamento cultural em animais não humanos.
Quando em 1952 cientistas levaram batatas-doces aos macacos selvagens de cauda longa da ilha de Koshima, ao largo da costa do Japão, ainda não sabiam que estavam prestes a levantar a discussão de uma “consciência coletiva” presente nos primatas.
A equipa voltou um ano mais tarde para encontrar uma jovem macaca chamada Imo junto a um riacho a limpar a areia de uma batata, mergulhando-a na água antes de a comer.
Movidos por alguma motivação, como a aversão pelo sabor da areia ou o gosto pelo sal, outros macacos da ilha foram copiando Imo ao longo do tempo, e ensinaram a prática aos seus descendentes, como descreve o estudo original de 1965, liderado pela Universidade de Quioto e publicado na revista Primates.
Mas o fenómeno que realmente surpreendeu os investigadores ainda estava para chegar.
O mundo ficou pasmado quando o curioso hábito ultrapassou as barreiras naturais e começou a surgir espontaneamente noutras colónias de macacos de diferentes locais. Levantava-se então a ideia de uma “consciência coletiva” nos primatas e de um segmento da mente inconsciente, geneticamente herdada.
Infelizmente, a ideia não passou de… bem, uma ideia. O fenómeno, que passou a ser conhecido como “Fenómeno do Centésimo Macaco”, foi desmascarado como sendo falso, mas desta história ficou a compreensão de uma muito real cascata de informação, proveniente do ato de imitação da lavagem das batatas.
Resultado de tomadas sequenciais de decisão, fruto do conhecimento pessoal, esta cascata de informação é uma criação lenta provocada pela observação do facto de que há realmente — apesar de a maioria dos macacos viver confortavelmente a comer batatas com areia — uma maneira “superior” de comer batatas-doces, como explica o jornalista reformado Boyce Rensberger num artigo para o The Washington Post sobre o fascinante caso.
Sem qualquer motivo para acreditarem que as batatas com areia fariam melhores refeições — porque não fazem — é como se os macacos as lavassem por uma de duas razões: precaução extra ou sabor exponencial.
Um comportamento cultural
Emergência, propagação, modificação. Esses são, na opinião do primatologista Tetsuro Matsuzawa, os três grandes passos da formação de um comportamento cultural como o hábito dos macacos de lavar as batatas-doces.
Quando a jovem Imo lavou pela primeira vez, por inovação sua, uma batata-doce, tal emergência levou à propagação do comportamento de duas formas: ensinamentos parentais e brincadeiras. E por último, a modificação.
Imo, juntamente com a sua mãe, irmãos e “amigos”, começaram por lavar as batatas em água doce, num pequeno riacho. Com o tempo, os macacos de cauda longa da ilha de Koshima começaram a levar as batatas para o mar, lavando-as deliberadamente em água salgada para obter o sabor a sal que tanto gostamos nas batatas. Foi a primeira evidência de comportamento cultural em animais não humanos.
É o efeito do “centésimo macaco” em ação, como metaforizou Ken Keyes Jr em “O Centésimo Macaco” de 1981. Imo começou a lavar as batatas e ensinou o seu grupo a fazê-lo. O comportamento espalhou-se até que 99 macacos já o praticavam. Quando o centésimo macaco aprendeu a lavar as batatas, o comportamento espalhou-se magicamente através da água para outros lugares e populações de macacos, popularizando-se.
Muitos levariam a metáfora a sério, mas o objetivo do best-seller de Keyes era outro: travar a evolução das armas nucleares, que quando atingem um número crítico… não podem ser travadas.
E ainda há quem negue a Teoria Evolucionista de Darwin. Os macacos são nossos primos.