“Macaco misterioso” em Bornéu pode ser um híbrido raro (e está a preocupar os cientistas)

Ken S.H. Ching

Macaco jovem a ser tratado por uma macaca fêmea adulta de folha prateada pode ser um híbrido raro, nascido após aquela fêmea ter acasalado com um Macaco-Narigudo macho.

Há seis anos, Brenden Miles, um guia turístico, viajava pelo rio Kinabatangan em Bornéu, na Ásia, quando viu um primata estranho, nunca antes observado.

Brenden Miles tirou algumas fotografias do macaco estranho e, ao chegar a casa, verificou as suas imagens.

“No início, pensei que pudesse ser um macaco de folha prateada”, ou seja, um membro da espécie com rara variação de cor, admitiu Miles.

Mas depois reparou nos pequenos detalhes. “O seu nariz era comprido como o de um Macaco-Narigudo, e a sua cauda era mais espessa que a de um folha prateada [macaco]”, comentou. Miles publicou uma fotografia do animal no Facebook e esqueceu o assunto.

Agora, uma análise dessa fotografia e outras dos mesmo animal sugerem que o “macaco mistério” é um híbrido de duas espécies de primatas, que partilham o mesmo habitat fragmentado, segundo a Science News.

O macaco híbrido apareceu depois de um Macaco-Narigudo macho (Nasalis iarvatus) acasalar com uma macaca de folha prateada (Trachypithecus cristatus), segundo um estudo publicado a 26 de abril no International Journal of Primatology. E essa conclusão preocupou os cientistas.

Animais híbridos têm apenas sido observados em cativeiro e, ocasionalmente, na natureza. “Mas a hibridação entre géneros, isso é muito raro“, admite Ramesh Boonratana, vice-presidente regional do Sudeste Asiático para a União Internacional para a Conservação dos Primatas da Natureza.

A grave perda, fragmentação e degradação do habitat causada pela expansão das plantações de óleo de palma ao longo do rio Kinabatangan pode explicar como surgiu o possível híbrido, relata Nadine Ruppert, especialista em primatas.

“Espécies diferentes — mesmo do mesmo género — quando partilham um habitat, podem interagir umas com as outras, mas geralmente não acasalam. Este tipo de hibridação entre géneros só acontece quando existe alguma pressão ecológica“, sublinha ainda Ruppert.

O estado de Sabah, onde se situa o rio Kinabatangan, perdeu cerca de 40% da sua cobertura florestal entre 1973 e 2010, sendo o abate de árvores e as plantações de óleo de palma os principais fatores da desflorestação.

“Em determinadas áreas, ambas as espécies [macaco] estão confinadas a pequenos fragmentos de floresta ao longo do rio”, atenta Ruppert.

Isto conduz à competição por alimentos, companheiros e outros recursos. “Os animais não podem dispersar-se e, neste caso, o macho da espécie maior — o Macaco-Narigudo — pode facilmente deslocar o macaco de folha prateada”.

Desde 2016, têm sido registados alguns avistamentos melhor documentados do macaco mistério, embora tenham sido esporádicos.

Os avistamentos pouco frequentes e a pandemia impediram, por agora, os investigadores de recolher amostras fecais para análise genética, de forma a conseguirem revelar a identidade do macaco.

Em vez disso, os investigadores compararam imagens do possível híbrido com as da espécie mãe, tanto visualmente como através da utilização de rácios de membros.

“Se o indivíduo fosse de uma das duas espécies-mãe, todas as suas medições seriam semelhantes às de uma espécie”, diz Ruppert. “Mas não é esse o caso“.

Uma fotografia de um Macaco-Narigudo macho a acasalar com uma fêmea folha prateada, juntamente com relatos de guias turísticos, acrescentou mais peso à conclusão dos investigadores.

O macaco mistério está a gerar muito entusiasmo na área, mas Ruppert está preocupado com o bem-estar de ambas as espécies progenitoras.

A União Internacional para a Conservação da Natureza classifica os Macacos-Narigudos como estando em perigo de extinção, e os macacos de folha prateada como vulneráveis.

O híbrido é deslumbrante, mas não queremos ver mais”, alerta Ruppert. “Ambas as espécies devem ter um habitat suficientemente grande, oportunidades de dispersão e comida suficiente para conduzirem os seus comportamentos naturais a longo prazo”.

A perda ou fragmentação do habitat em Bornéu e noutros locais como resultado da alteração dos usos da terra ou das alterações climáticas pode fazer com que aumentem os casos de acasalamento — ou tentativas de acasalamento — entre espécies ou mesmo géneros, nota Boonratana.

O macaco misterioso foi fotografado pela última vez em setembro de 2020 com os seios inchados e a segurar um bebé, sugerindo que o animal é uma fêmea fértil.

Este é outro desenvolvimento surpreendente, segundo os investigadores, porque a maioria dos híbridos tendem a ser estéreis.

Alice Carqueja, ZAP //

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