Livro escolar russo diz que reunificação da Alemanha é anexação

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Novo material didático do ensino secundário russo apresenta a reunificação alemã de 1990 como uma anexação do território oriental por parte do Ocidente. Historiadores alemães falam em “distorção da história”.

Foi há 33 anos. A 3 de outubro de 1990, a República Democrática Alemã (RDA), a Alemanha Oriental, aderiu oficialmente à República Federal da Alemanha (RFA), a Alemanha Ocidental. Passados então 45 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, os alemães estavam novamente unidos num Estado soberano.

Esse capítulo da história alemã está intimamente ligado à história da União Soviética e do então secretário-geral do Partido Comunista soviético, Mikhail Gorbatchov. Historiadores há muito estão habituados a lidar com as diferentes avaliações, na Alemanha e na Rússia, do papel de Gorbatchov nesse processo.

No entanto, a atual interpretação russa da reunificação alemã causou perplexidade entre especialistas e historiadores alemães. No novo livro de história do ensino secundário russo, o evento é apresentado como “anexação da RDA”.

Os autores do livro, publicado em setembro de 2023, são Vladimir Medinsky, ex-ministro da Cultura da Rússia e conselheiro do presidente Vladimir Putin, e Anatoly Torkunov, diretor do Instituto de Relações Internacionais de Moscovo.

“A narrativa antiocidental do regime de Putin”

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os Aliados (EUA, União Soviética, Reino Unido e França) dividiram a Alemanha derrotada em quatro setores. As potências vitoriosas não conseguiram chegar a um acordo sobre um futuro comum para a Alemanha.

Houve uma rutura entre o Oriente e o Ocidente. A República Federal da Alemanha foi fundada nas três zonas ocidentais e a República Democrática Alemã na zona de ocupação soviética. Também Berlim, que ficava dentro do território da Alemanha Oriental, foi dividida, tornando-se o ponto central da Guerra Fria.

A Alemanha Oriental existiu durante mais de 40 anos. O ano de 1989 marcou um ponto de viragem. No 40º aniversário da RDA, não só houve celebrações a cargo do regime do Partido da Unidade Socialista (SED), como também numerosos protestos.

A Revolução Pacífica estava em andamento e não havia mais como pará-la: a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989; as primeiras — e também últimas — eleições livres na RDA, em 1990; o processo de unificação e a assinatura do Tratado Dois mais Quatro foram acontecimentos que abriram o caminho para Reunificação, em 3 de outubro de 1990.

“Do ponto de vista de Putin e dos seus ‘falsificadores da história’, a Reunificação foi um ato de colonização: “o poderoso Ocidente imperialista subjugou o Oriente fraco”, comenta Ute Frevert, diretora do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano: “Isso não corresponde de forma alguma aos factos históricos, mas enquadra-se na narrativa antiocidental do regime de Putin.”

Dois livros, dois conteúdos

Até recentemente, o conteúdo dos livros didáticos na Rússia era diferente. Uma versão comparável de 2021, por exemplo, fala de uma revolução pacífica, assim como da necessidade urgente de mudança no sistema político, originada na profunda crise política da RDA.

A saída só poderia estar numa “mudança de poder”, escreveram os autores daquele livro. No entanto, de acordo com as autoridades russas, esse livro “antigo” oferece apenas um “nível básico”.

Desde 01 de setembro de 2023, o novo livro de história, também conhecido como Livro Medinsky, promete uma “visão mais profunda” da história recente.

“Reinterpretação da história”

“Isso é uma clássica reinterpretação da história”, diz o historiador Niko Lamprecht, presidente da Associação Alemã de Professores de História. “Putin fê-lo em vários setores nos últimos 20 anos. Reescreveu completamente a história. Do seu ponto de vista, o ‘Império Russo’ tem todo o direito de retomar territórios. Isso nada tem que ver com a história baseada em factos ou com o Direito Internacional. Trata-se de uma reinterpretação da história baseada em factos falsos e com um propósito político”, diz o historiador.

Lamprecht lembra-nos que, em 1989 e 1990, nunca houve, nos dois lados da Alemanha, uma maioria contra a Reunificação, mas sempre uma ampla maioria a favor. “Em outubro de 1990, nenhum tanque alemão atravessou a fronteira para ocupar um novo território.”

“Na Rússia tem havido uma clara e óbvia nacionalização das narrativas relacionadas com a história há pelo menos uma década”, diz o historiador Zaur Gasimov, professor de história do Leste Europeu na Universidade de Bonn. “Um componente dessa nacionalização é a radicalização na escolha das palavras e da argumentação das narrativas históricas. As aulas de história nas escolas foram particularmente afetadas. Após a anexação da Crimeia e a invasão do leste e do norte da Ucrânia, essa radicalização aumentou ainda mais.”

Ambos os livros de história estão ativos, paralelamente, nas escolas russas. Não está claro, no entanto, durante quanto tempo estarão os dois em funcionamento.

A edição de 2021 cobre tanto a eleição nacional de 1990 como a vitória do partido conservador CDU em quatro dos cinco novos estados alemães. Com o livro, os estudantes russos aprendem que, além da vontade comum de se unirem, também o desejo dos alemães orientais de deixarem de viver sob o socialismo foi uma força motriz do processo de unificação. No Livro Medinsky, de 2023, não há nenhuma palavra sobre isso.

// DW

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